X - Daniel Russell Ribas
X
Não lembro qual foi a piada. Só sei desde que então
ela não fala comigo. Tentei whatsapp, facebook, SMS, ligação e silêncio. Está
puta, óbvio. Sinceramente, queria saber o que a ofendeu tanto assim. Eu a
comparei a uma ex minha, o que nunca é boa coisa, eu sei disso, mas sou otário
e caio nos buracos que cavo para mim mesmo.
O fato é que essa ex é especial. Nunca gozei tão
forte com alguém como com ela. E de forma tão inesperada. Ao contrário da
atual, a ex gostava de experimentar. Dizia que essa história de ponto G era
bobagem para vender revista e que a onda mesmo era o ponto X.
“Como no tesouro escondido dos piratas”, explicava,
“Ponto G, pelo que dizem, faz com que a gente goze pra caralho, mas isto não
basta. Eu quero gozar de uma forma que altere minha percepção de realidade para
sempre, não por segundos ou minutos. O X está em algum lugar no corpo e na
trepada, escondido, e a única forma de encontrar é descobrindo novos caminhos,
cara.”
“Ainda parece demais com o ponto G”, comentei
enquanto enchia os copos de cerveja.
“Não é.”
“Já encontrou?”
“Ainda não.”
Enfim, não fiquei convencido, mas topava o que
quisesse desde que não envolvesse outro cara. E dá-lhe tapa, chicote, danças,
até um tradicional papai e mamãe. Ela raramente repetia uma trepada, sempre
havia uma diferença, fosse na maneira, no ritual ou no ritmo. Até que um dia
ela pediu para eu fechar os olhos. Topei. Deitei e ela me massageou com um óleo
quente, muito bom. Sentia algo a mais passar pela minha coluna enquanto suas
mãos apertavam meus ombros, tubular, que achei ser o frasco. Ela passou o óleo
por todo meu corpo, incluindo meu cu. Na maior parte, não permitia fio-terra,
mas, por alguma razão que só posso culpar ao instinto, deixei. Então, ela
começou a passar o tubo na área das nádegas. Há esta altura, já tinha em mente
não deveria ser o frasco, mas queria ver até onde isso iria. Meu corpo estava
incrivelmente relaxado e minha mente limpa, como se estivesse num estado
alternativo de consciência, algo que o zen professa que pode se alcançar.
Talvez por isso, por esta alheio e confortavelmente dormente, como afirma a
música, só sentir o consolo quando ele estava dentro de mim. Meu primeiro
pensamento foi protestar, mas estava entregue ao momento. Meu corpo ignorava
qualquer dor e minha mente relevava questões de orgulho ferido. Naquela noite,
gozei como nunca e acordei com novos olhos. Nunca mais fizemos isso.
Eu não sou gay, quero esclarecer. A experiência,
como tudo que é transformador, me confundiu no começo. Sai com dois caras, mas
não era o mesmo. Também cheguei uma vez a pegar um travesti, mas não senti
tesão algum. Em definitivo, homem não é a minha praia. Logo notei que o êxtase,
a pureza espiritual-carnal-sexual momento, aquela tempestade perfeita de
energia, não poderia ser reproduzida, porque havia sido assimilado. Eu me
tornara outra pessoa, logo passara por algo extraordinário. Não foi meramente
ter sido comido com um pau de borracha, isto seria idiota. Foi outra coisa, que
não sei.
Quando eu e a ex terminamos, perguntei se ela tinha
alcançado o ponto X. Ela disse que não. “Além do mais, a corrida é mais
divertida que a chegada”, riu. Eu sorri. “Você mudou.” “Acho que mudamos quando
menos se espera. Só é precisa estar aberto.” “Acredita nisso?” “Tanto quanto
você no ponto X.” Disse esta última frase em tom de piada, mas, no fundo, fui
sincero. Talvez meu olhar tenha me traído, pois ela encarou como se confirmasse
que sabia que eu era outro, mas não contaria.
Hum... acho que a piada tinha a ver com sexo anal.
Mas não me lembro. Estou em outro lugar agora.
Conto escrito
para o encontro de 27/ 10/ 2015
Daniel Russell Ribas é membro do “Clube da Leitura”
(http://clubedaleiturarj.blogspot.com.br), que organiza evento quinzenal.
Escreve no blogue “Entre a rua e o meio fio”
(http://multiconto.blogspot.com.br/), em parceria com o poeta Henrique Santos.
Organizou as coletâneas “Para Copacabana, com amor” (Ed. Oito e meio), “A
polêmica vida do amor” e “É assim que o mundo acaba”, ambos em parceira com
Flávia Iriarte e publicados pela Oito e meio, e “Monstros Gigantes – Kaijus”,
em parceria com Luiz Felipe Vasquez, pela Editora Draco. Participou como autor
dos livros “Clube da Leitura: modo de usar, vol. 1”, “Lama, antologia 1”
(publicação independente), “Clube da Leitura, volume II”, “Sinistro! 3”, “Ponto
G” (Multifoco), “Caneta, Lente & Pincel” (Ed. Flaneur), “Clube da Leitura,
vol. III”, “Veredas: panorama do conto contemporâneo brasileiro” e “Encontros
na Estação” (Oito e meio).
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