Competição - Guido Brasil
Competição
A
natural competição entre primos nunca foi vista como um problema entre Fernando
e Priscila. Passaram a infância disputando atenção dos avós, tios e
professores. O boletim escolar era motivo de orgulho e preocupação, se uma nota
baixa aparecesse, silêncio total sobre o assunto. Cresceram juntos. Unha e
carne. Onde um estava o outro aparecia.
Um
certo dia, entre os dezessete e os dezoito anos, Fernando contou para a prima
que, assim como ela, também gostava de meninos. Evidentemente, essa afirmação não
causou espanto em Priscila, seu primo sempre foi delicado demais, nunca
demonstrou interesse em nenhuma menina e fez uma cara estranhíssima ao ganhar
dos tios a Playboy da Carla Perez. Priscila sabia que seria bacana conversar com
seu primo-melhor-amigo sobre meninos.
Os
anos se passaram, muitas experiências foram vividas e lindamente enfeitadas
durante as narrações dos melhores detalhes. Um belo dia, Priscila estava toda
urgência em contar para o primo sua novidade.
- Dei pro Gustavo!
-
Deu o quê?
-
Ai, garoto. Adivinha!
-
Ah, sei lá... Um bem material, físico ou emocional?
-
Físico!
Conhecendo
bem as histórias da prima, não foi difícil para Fernando concluir que Priscila
estava se referindo ao sexo anal.
-
Mas teve necessidade?
-
Como assim, necessidade, Fernando? Teve vontade.
-
Priscila, quantas vezes eu disse que pra mulher isso tem que ser moeda de
troca? Numa relação hetero, dar o cu tem que ser o equivalente a uma viagem pra
Nova York e não uma ida até Paquetá.
-
Ai, Fernando, que besteira. Eu quis, eu fiz.
-
E como foi?
Fernando,
conhecedor do assunto, estava pronto para ouvir os relatos sobre as
dificuldades de uma primeira vez anal. Ele mesmo já tinha contato inúmeras
vezes para a prima o quanto foi difícil sua experiência com o primeiro
namorado. Estava pronto para os conselhos e dicas que daria. Mas para sua
surpresa Priscila respondeu com um largo sorriso.
-
Foi ótimo!
-
Ótimo!?
-
Muito bom! O Gustavo é incrível.
-
Nossa. Que lubrificante vocês usaram?
-
Lubrificante? Não usamos lubrificante.
-
Que posição?
-
Comecei logo de quatro. O Gustavo veio mordendo as minhas costas, chegou no meu
ouvido e me mandou empinar. Foi batata! Sabe quando você sente tanto prazer que
o gemido vem acompanhado de um sorriso?
Fernando
nunca se sentiu tão afrontado. Aquilo só podia ser mentira. Ninguém dá o cu
pela primeira vez de quatro, sem lubrificante, e ainda por cima ri de orelha a
orelha. Aquilo não podia ficar assim. Ele era o especialista no assunto.
Fernando poderia dar aulas sobre sexo anal. Não seria uma amadora que iria
colocar em dúvida todas as suas teses. Era hora de revidar.
-
É, mas você sabe que dar o cu está meio fora de moda, né?
-
Fora de moda?
-
Priscila, com todas as comodidades que temos hoje em dia, com mil tecnologias,
as pessoas andam preguiçosas. E vamos ser sinceros, dar o cu está longe de ser
uma prática simples. As pessoas querem prazer e praticidade. O grande barato
hoje é o sovaco. Você já deu o sovaco.
-
Não.
- Nossa, é uma loucura. Gata, eu nunca senti nada igual. Isso aí que você sentiu
não é nada comparado ao sovaco.
Fernando
sorriu de orelha a orelha diante da decepção de Priscila.
Conto
escrito para o encontro de 27/ 10/ 2015
Guido
Brasil é autor do romance "Bizarros e Solitários", lançado em 2014.
Ator e roteirista da web-série "As Ideias de Sr. & Sra. Alguém".
Diretor e roteirista do curta "O Namorado".
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