Mote do encontro (10/ 11/ 15)
Mote lido por Luiz Alberto Benevides
Liberdades
É livre quem pode fazer o que quiser — dentro das
suas limitações de espaço, tempo, energia e recursos. Só se é livre dentro de
certos limites. Portanto, toda liberdade é condicional.
Só é totalmente livre quem pode exercer a sua
vontade sem qualquer limitação moral ou material. Isto é: o tirano. Assim, a
liberdade suprema só existe nas tiranias.
Dizer que a minha liberdade termina onde começa a
liberdade do outro é muito bonito. Mas e se a liberdade foi mal distribuída e o
meu vizinho tem um latifúndio de liberdade enquanto a minha é um quintal de
liberdade, liberdade mesmo que tadinha? Não é feio sugerir um reestudo da
divisão.
Cuidado com quem dá aos outros toda a liberdade.
Geralmente é quem pode tirá-la.
Há os que passam o dia inteiro livres e chegam em
casa se queixando disso. São os motoristas de táxi. Toda liberdade é relativa.
Toda liberdade é relativa. Verdade exemplarmente
ilustrada por este diálogo entre o preso e o carcereiro.
—
Nunca mais vou sair daqui.
— Calma. Não desanime.
— Não tem jeito. Estou aqui para sempre.
— Vou ver o que posso fazer por você -
— Não adianta. Estou condenado. Desta prisão eu não saio. Se esqueceram de mim.
— Eu não esquecerei. Voltarei para visitá-lo.
— Promete? — diz o carcereiro.
Quem é livre às vezes não sabe. Quem não é livre
sempre sabe. Ou será o contrário? A gente vê tanta gente inexplicavelmente
feliz.
Alguns são obcecados pela liberdade e prisioneiros
da sua obsessão.
Os loucos são livres e vivem presos por isso.
Poderia se dizer que livre, livre mesmo, é quem decide
de uma hora para outra que naquela noite quer jantar em Paris e pega um avião.
Mas mesmo este depende de estar com o passaporte em dia e encontrar lugar na
primeira classe. E nunca escapará da dura realidade de que só chegará em Paris
para o almoço do dia seguinte. O planeta tem seus protocolos.
Fala-se em liberdade como se ela fosse um absoluto.
Mas dizer “eu quero ser livre” é o mesmo que dizer “eu quero” e não dizer o
quê. Existe a Liberdade De e a Liberdade Para. Não é uma questão apenas de
preposições e semântica. E a questão do mundo. O liberalismo clássico iconizou
a Liberdade Para. Você é livre se tem liberdade para dizer o que pensa e fazer
o que quer, para ir e vir e exercer o seu individualismo até o fim, ou até o
limite da liberdade do outro. A ideia de que a verdadeira liberdade é a
Liberdade De é recente. Livre de verdade é quem é livre da fome, da miséria, da
injustiça, da liberdade predatória dos outros. A ideia é recente porque antes
era inconcebível.
Ser livre do despotismo era automaticamente ser livre para o que se quisesse, para a vida e a procura individual do paraíso. Foi preciso uma virada no pensamento humano para concluir que Liberdade Para e Liberdade De não eram necessariamente a mesma liberdade e outra virada para concluir que eram antagônicas. A última virada é a decisão de que uma liberdade precisa morrer para que a outra viva. Não concorde com ela muito rapidamente.
Enfim, de todos os crimes que se cometem em nome da
liberdade, o pior é a retórica.
Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente
livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo.
VERÍSSIMO, Luís Fernando. Orgias. Porto Alegre, L&PM Editores, 1989)
Filho
de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando
Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi
morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje –
tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava
de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à
literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966,
e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia
Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem
três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.
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