Cuneiforme - Fernando Andrade
Cuneiforme
Ele havia perguntado como todo homem senta
no trono com suas vestes de Rei por cima. Se havia algo escondido era um Rei
expelindo fezes ao invés de ordens. Um soberano sobre humano que mandasse matar
as excrecências do gênero humano, tudo aquilo que fica fora do seu modo de
expelir palavras, de gerar demandas, em se tratando de vidas abjetas\objetos
que circulam ao seu assento cristão - ao Deus dará. Este Rei tinha um
banheirinho-confessionário no meio de seu quarto particular. Era algo meio
cabine de confessionário. Ele ao meio dia entrava ali com vestes papais e pedia
que um homem que estivesse indo à guilhotina, naquela hora, passasse ali para
bater um papinho de sobremaneira.
Deus assim o faz, por não ter corpo, não
precisa dar a descarga. Vida-e-morte
Sinto-me numa prisão, soberano.
O que fez?
Cometi um delito. Acariciei a culatra
O tiro saiu pela culatra?
Mas em termos de sexualidade não
preferiu as vias respiratórias?
Sim, senhor, pelos viadutos dos narizes.
O senhor cheira cu?
Oh! cheiro nauseabundo!
Oh! já eu, prefiro uma bunda.
Tenho cá meu cetro para meter
O senhor sabe cá que cometeu um crime de
cornos à balística.
Sim senhor, da onde tive colhões, dois
ovos bem às estatísticas.
Tenho cá neste banheirinho, algumas
penitências, evacuar é preciso.
Cá tenho que cagar aos orifícios da lei,
para não ir à guilhotina?
Na fase Anal, tudo é correnteza (o coco),
ou correntista, (a grana)
O senhor pagou ou não pagou para meter
umas balas na sua meretriz?
Se por acaso expelires aqui sua culpa,
cagarei regras para tua guilhotinas,
Irás para o calabouço tão comumente.
Sim, já abaixo as calças, por acaso,
tens um bidê?
Sim, mas antes que eu te dê a
extrema-unção; uma mão limpe à outra.
O homem olha desconfiado para o
soberano.
O senhor é praticante?
Conto escrito para o encontro de
27/ 10/ 2015
Fernando Andrade tem 46 anos, é
jornalista e poeta. Trabalhou por 10 anos com livreiro e hoje trabalha na
Biblioteca Parque Estadual. Participa de dois coletivos : Caneta Lente e Pincel
e Clube da Leitura. Escreve para o site Ambrosia resenhas de Literatura. Tem
dois livros de poemas lançados pela Editora Oito e meio, “Lacan por Câmeras
Cinematográficas” e “Poemometria”.
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