Terça em dobro - Poliana Paiva
Terça em dobro
Ele era aquele tipo que dá um suadouro só de olhar.
Um sorriso, umas mãos enormes, uma
pegada rústica. Não sei se o bofe era tão magia assim ou se o encantamento
tinha a ver com o último dia de carnaval. Só sei que tudo nele exalava luxúria e purpurina. Se desse mole, ele tinha
purpurina até no cu. Eu não me importava com nada. Ele era todo dourado, todo
suado, todo enamorado de minha pessoa. Volta e meia, entre uma pirocada e
outra, lembrava de uma amiga que sempre me falou pra passar carnaval na Bahia,
mas eu não perdia por esperar. Não tinha noção do que vinha pela frente. Ou
melhor, do que vinha por trás.
Fui precisa, escolhi um cara que era praticamente um
profissional da alegria: aquela boca, quando não estava me beijando, só sorria.
Um sorriso com tantos dentes que me fazia pensar apenas em mordidas. Eu estava
que era pura libido. Meu lindo lago do amor já tinha virado bacia hidrográfica
de tanto que eu estava animada. Uma hora, não sei se por efeito do capeta que
tinha tomado em doses industriais, tive a impressão de ter visto um cara
igualzinho ao meu ébano-maravilha bem do nosso lado. “-Esse é meu irmão gêmeo”,
ele disse, com aquele sotaque de amolecer manteiga. Na hora tentei disfarçar
minha alegria, mas o baiano sacou e não perdeu a oportunidade de me provocar:
“-Ele tá louco pra lhe conhecer.”
Nessa hora entendi que perderia meu cu. Nasci na
Tijuca, sou contra desperdício. Como dispensar dois irmão gêmeos? Não
dispensei. Apenas pedi que parássemos numa farmácia para comprar KY, pois,
pelas leis da genética, eu estava prestes a pegar outra lapa de tabasca com a
espessura de uma lata de cerveja. Não vou agora dizer que não tive medo: “-Meu
cu é virgem e só de imaginar me dá vertigem”, disse a eles a caminho do motel.
Sensibilizados, me arrumaram um cigarrinho de artista, pra que eu pudesse
relaxar. Relaxada, deixei os dois irmãos fazerem de mim túnel. Abri passagem.
E, definitivamente, não perdi a viagem.
Porque antes de existir computador existia a tevê.
Antes de existir a tevê, existia luz elétrica. Antes de existir luz elétrica,
existia a D.P. Foi a primeira coisa que surgiu.
Um gemido que ninguém ouviu.
Conto escrito
para o encontro de 27/ 10/ 2015
Poliana Paiva é formada em Cinema pela Uff e em
Teatro pela Cal. Dirigiu e roteirizou 4 curtas, foi roteirista dos programas de
auditório 'Esquenta' e 'Papo de Mallandro' e, no momento, escreve seu primeiro
longa, uma série para tv e uma série pra web. Foi publicada em duas coletâneas
de novos autores e selecionada no concurso 'Poema nos ônibus e nos trens',
promovido pela prefeitura de Porto Alegre. Fora isso, integrou as exposições
'Liberte a literatura' (2012), no Centro Cultural da Justiça Federal e 'Caneta,
Lente e pincel', no subsolo do Monumento a Estácio de Sá (2013) e no foyeur do
MAM (2014). Sua página no facebook, www.facebook.com/romanticuzinhos, tem mais
de 20 mil seguidores e a ideia é transformá-la em livro até 2016.
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