Mote do encontro (28/ 11/ 15)
Mote lido por Walter Macedo Filho
Carta de Graciliano Ramos para a irmã Marili
Rio, 23 de novembro de 1949.
Marili: mando-lhe alguns números do jornal que
publicou o seu conto. Retardei a publicação: andei muito ocupado estive alguns
dias de cama, a cabeça rebentada, sem poder ler. Quando me levantei, pedi a
Ricardo que datilografasse a Mariana e dei-a ao Álvaro Lins. Não quis metê-la
numa revista: essas revistinhas vagabundas inutilizam um principiante. Mariana
saiu num suplemento que a recomenda. Veja a companhia. Há uns cretinos, mas há
sujeitos importantes. Adiante. Aqui em casa gostaram muito do conto, foram
excessivos. Não vou tão longe. Achei-o apresentável, mas, em vez de elogiá-lo,
acho melhor exibir os defeitos dele. Julgo que você entrou num mau caminho.
Expôs uma criatura simples, que lava roupa e faz renda, com as complicações
interiores de menina habituada aos romances e ao colégio. As caboclas da nossa
terra são meio selvagens, quase inteiramente selvagens. Como pode você
adivinhar o que se passa na alma delas? Você não bate bilros nem lava roupas.
Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é
sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são pedaços de
nós mesmos, só podemos expor o que somos. E você não é Mariana, não é da classe
dela. Fique na sua classe, apresente-se como é, nua, sem ocultar nada. Arte é
isso. A técnica é necessária, é claro. Mas se lhe faltar técnica, seja ao menos
sincera. Diga o que é, mostre o que é. Você tem experiência e está na idade de
começar. A literatura é uma horrível profissão, em que só podemos principiar
tarde; indispensável muita observação. Precocidade em literatura é impossível:
isto não é música, não temos gênios de dez anos. Você teve um colégio,
trabalhou, observou, deve ter se amolado em excesso. Por que não se fixa aí,
não tenta um livro sério, onde ponha as suas ilusões e os seus desenganos? Em
Mariana você mostrou umas coisinhas suas. Mas – repito – você não é Mariana. E
– com o perdão da palavra – essas mijadas curtas não adiantam. Revele-se toda.
A sua personagem deve ser você mesma. Adeus, querida Marili. Muitos abraços
para você.
Graciliano.
P.S.: Você com certeza acha difícil ler isso. Estou
escrevendo sentado num banco, no fundo da livraria, muita gente em
redor me chateando.
Graciliano
Ramos nasceu na cidade de Quebrângulo, Alagoas, no dia 27 de outubro de 1892. O
romance "Vidas Secas" foi sua obra de maior destaque. Suas obras
embora tratem de problemas sociais do Nordeste brasileiro, apresentam uma visão
crítica das relações humanas, que as tornam de interesse universal. Morreu no
Rio de Janeiro, no dia 20 de março de 1953.
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