O Espeleólogo, por Paula Giannini
Quando
crescesse queria ser espeleólogo, como o avô, um rapaz de apenas 38 anos. Jovem
demais para ser avô. Velho demais para ser considerado um jovem. Sempre suado,
visivelmente exausto, mas disposto a contar seu dia ao neto, com um estudado
sorriso e pormenores dignos da mais emocionante aventura. Assim havia sido a
sua jornada de trabalho, escavara em busca de tesouros e embrenhara-se em obscuras
cavernas. Sempre iluminando os buracos com a inseparável lanterninha de cabeça,
igual à que dera ao menino quando este completara dez anos.
- Agora você
já é quase um homem.
E descansava
sua carrocinha de espeleologista na porta da pequena casa. Para o avô um lugar
provisório, de onde assim que a vida permitisse, tiraria sua família. Para o
garoto, um castelo, com seu portal adornado com imagens aladas e figuras de
longas orelhas esculpidas em pedra.
Coisa para
gente muito rica.
Coisa para os
heróis.
E o avô-herói
retirava maravilhas do carrinho. Latinhas, anéis, medalhas com fotos de reis e
rainhas, e dentes de ouro, de antigos sábios que passaram por aquela terra em
um tempo em que as cavernas ainda eram habitadas pelos homens da pré-história.
E roupas, e sobras de comidas já provadas pelos ancestrais, e até, uma vez, um
sapato que coube bem certinho em seu pé.
- Está furado,
vovô...
- Estas coisas
contam a história dos antigos. Você tem que usá-las com respeito. – Dissera,
com os olhos cheios de lágrimas.
E o pequeno
acreditou no poder de tal calçado, pois nunca vira o pai de sua mãe chorar. E,
para falar a verdade, nunca, nunquinha mesmo, calçara nesta vida um único
sapato. Estava mesmo virando um homem.
(Retirado de Pequenas mortes cotidianas,
editora Oito e Meio, 2017).
Mote vencedor para o encontro de 23/10/2018
"Pequenas Mortes Cotidianas", considero uma obra obrigatória. Contos envolventes, que emocionam e falam, principalmente sobre a alma feminina com uma delicadeza e verdades tocantes. Meu voto é seu, Paula Giannini. Faz tempo que eu me identificava tanto com uma leitura. Sem palavras para definir seu sensível olhar. ❤
ResponderExcluirRita Malot, sua linda!
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