O Primeiro Amor, por Eduardo Villela






Disseram-me uma vez, não, me disseram trinta vezes que na vida só existe o primeiro amor. Se verdade ou não, foda-se, tentei amar outras vezes, mas não deu certo. Ou deu por certo tempo. Que é dar certo?
O primeiro beijo do meu primeiro amor foi na décima sétima pessoa que beijei na vida, e foi só nesse dia que percebi que o beijo pode, sim, ser prazeroso.
Dizem que há aqueles que passam pela vida inteira sem ter o tal primeiro amor, há também os que só o conhecem no finalzinho da vida. Falam que existe aquela ou aquele que tem seu primeiro amor no último beijo de sua trajetória na Terra, no limiar do precipício da vida pro nada, como o zangão finalmente descoberto por sua rainha-abelha predestinada, ao pé da morte.
Deixando essa digressão de lado e voltando à história, queria dizer que os amores que vivi nos anos depois do primeiro amor tiveram gosto de aventura de café coado pela segunda vez. Demorou muito pro gosto do primeiro amor sair da minha boca e deixar virem outros primeiros amores.
Mas posso dizer então, baseado na minha experiência, duas coisas. Primeira: só o primeiro amor importa mesmo. Segunda: na vida temos mais que um só primeiro amor. Para uma pessoa sexualmente ativa e que não casou até os trinta, como eu, faço crer que a vida reserva em média, repito em média, uns três primeiros amores até ali, de acordo com cada etapa da experiência.
Para falar deles preciso recorrer à memória, porque como já disse o sabor se apagou pra dar passagem aos primeiros amores seguintes.
No meu primeiro amor propriamente dito, foi o beijo na boca que me pegou logo de cara. Não, na verdade aquilo não foi um beijo, foi quase uma lambida na cara toda, porque ela fazia de um jeito como nunca tinha me acontecido antes. Do alto da experiência dos meus quinze anos e dezesseis beijos, nunca nenhuma outra havia antes varrido, como ela, todos os recantos da minha boca, da bochecha e até dos olhos, porque estava escuro e acho que nessa parte ela se confundiu.
Me comportei como uma casa que precisasse tanto de limpeza que ao ser percorrida e varrida com tanta voracidade se apaixonou pela diarista. Depois da faxina inicial, começamos a namorar um dia depois, e durou só até eu pegar ela varrendo outra casa, no carnaval seguinte. Fiquei com tanta depressão que me deitei com oito copinhos de plástico com cachaça em cima do trilho do trem na cidade do interior de Minas onde se passou aquele carnaval. Tomei um por um, fumei, mas o trem não passou.
Depois, pra passar o tempo, vieram os cafés coados pela segunda vez, que duraram até uns cinco anos depois, pouco mais, quando então eu tive um segundo primeiro amor. Antes pensava que primeiro amor, de novo, só se rolasse uma nova varrida, uma faxina intensa na boca como aquela pioneiríssima, mas nada disso. Agora, eu é que me tornei o varredor. Como se o primeiro amor de cinco anos atrás houvesse implantado no meu subconsciente o chip da faxina, dessa vez eu é que lambia meu novo primeiro amor inteiro, não só na cara, como nos quinze nos de idade, mas em tudo, de atrás da orelha até a ponta do dedão do pé, detendo a lambança longo tempo em quanto mais sombra encontrasse.
Talvez por isso, ela se apaixonou primeiro. Acho que virei seu primeiro amor antes dela ser o meu, e essa também foi a ordem do desapaixonamento, uns dois anos depois, quando ela descobriu uma traição minha. Pois é, nessa época eu ainda não tinha maturidade pra não trair meu primeiro amor. E lá estava eu de volta aos cafés recoados.
Não posso dizer que nos hiatos entre os primeiros amores não me diverti, foi até muito bom, só que estamos falando de primeiro amor e não de aventura, passatempo, prazeres ou diversões. Mas meu terceiro primeiro amor só me chegou oito anos passados do meu segundo primeiro amor.
Hoje, então, concluo que vivo meu primeiro amor. Mas nada posso dizer sobre ele, nem comparar. Só sei que nada vejo, nada memorizo, nada penso, nada sei.
É só o meu primeiro amor, nada mais.
E, daqui, não posso enxergá-lo.

(Conto vencedor do encontro de 07/02/2017)

Eduardo Villela lançará seu primeiro livro de contos, "O Interesse pelas Coisas", na quinta-feira, 16/2, na Livraria da Travessa de Botafogo, Rio de Janeiro.


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