Atire a primeira pedra - Fernando Andrade
Atire a primeira pedra
Atire a primeira pedra quem nunca se jogou no rio. Sim, disse o monge, uma pedra afunda devido
à seu peso, sua ausência de espaço interno. Ela não tem cavidade, não é uma
casa, por isso por ter excesso de bagagem, afunda. Mas senhor, o suicidas
também afundam. Sim. Eles afundam por excesso de peso, a alma está compactada
num estágio que chamamos de Alma leve. Mas a alma leve não deveria boiar? Não,
a alma cheia é que boia. Chamamos os estágios do pertencimento de intens. In é o de dentro, tens é o que carrega
em ti. Mas não é assim que se escreve a palavra. N faz parte da negação; fundamental para o crescimento. Porque a
pedra é tão cheio de massa? Por que ela não amassa, não deforma, seu visual é
mais curioso que se possa conceber, tende a ser esférica, mas encontramos outro
dia uma retangular. Naquela célebre cena em que se joga a pedra sobre o rio e
ela segue um movimento paralelo à superfície da água, como se explica mestre
que ela por ser tão cheia continue o movimento paralelo à superfície? Um homem
quando quer nadar, não afunda, sua ação é prenhe de certeza, ele pode
atravessar um canal apenas mexendo os braços e as pernas. Quando alguém joga
uma pedra assim, ela quer uma duração, quer uma viagem contínua, a pedra atrita
com a superfície mas continua com a sua jornada.
Atire a primeira pedra quem nunca errou.
Neste caso, há uma exploração da existência
pedra. Não é a pedra quem ataca, mas a linha do destino que tens na mão, se
reparar que a linha é extremamente envolta sobre o seu núcleo, a mão será uma
espécie de catapulta. A pedra se aferra a sua preguiça. Toda pedra sofre de
fadiga. Você já viu alguma fazer ginástica? Confesso mestre que nunca vi uma
numa academia. Da boca do mestre, abriu-se um sorriso. Por que sorri? Mestre. A
palavra junta dois espectros da constituição: o corpo e a gnose.
Errar vem do errático. Aquele que se move,
mas sem uma causa ou vontade própria. (Feito a pedra no rio). Lembre-se que eu
falei antes a pedra só afunda, se ela parar, ausentar-se de movimento. Errar é
quase como manter a ação na superfície. O suicida não consegue ver isso por
isso afunda.
Conto
escrito para o encontro de 24/03/2015
Fernando Andrade tem 46 anos, é jornalista e
poeta. Trabalhou por 10 anos com livreiro e hoje trabalha na Biblioteca Parque
Estadual. Participa de dois coletivos : Caneta Lente e Pincel e Clube da
Leitura. Escreve para o site Ambrosia resenhas de Literatura. Tem dois livros
de poemas lançados pela Editora Oito e meio, “Lacan por Câmeras
Cinematográficas” e “Poemometria”.
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