Sincronias do amor - Daniela Ribeiro



Sincronias do amor


Desde a primeira vez em que viu Agostina no trote da faculdade, sentiu que precisava ser sua amiga. Não sabia muito bem de onde vinha essa necessidade, essa certeza, pois o estilo punk da menina combinava mais com as garotas que a esnobavam ou que praticavam bullying com ela no colégio. Agostina tinha o mesmo ar insolente e blasé de quem se sabe superior à humanidade.
Viviane havia sido sempre a cdf, puxa-saco de professor, a que mandava os outros calarem a boca em sala de aula. Nunca fora muito popular, pelo menos não com as pessoas que admirava. Na verdade, também não admirava ninguém; quando muito, o professor. Nutria certa inveja pelas meninas que se vestiam bem e que tinham amigos e namorados, mas não via graça nenhuma nos assuntos que ouvia de relance do fundo da sala. Viviane tinha uma arrogância toda própria, na verdade.
Insegura e tremendo como vara verde, Viviane pagou todos os micos obrigatórios em qualquer trote de faculdade. Por sorte, tomar porres não era novidade para ela. Desde cedo, quando morara no Sul, seus pais serviam vinho em ocasiões especiais, e no Natal, com a chegada dos primos e tios, a cerveja era liberada, uma espécie de confraternização bacante.
Um dia, voltando para casa depois da aula, encontrou Agostina no ponto do ônibus. Ela estava acompanhada de outra menina da sua turma, mas que ia para outro bairro. Pegou o mesmo coletivo que Agostina.
Viviane não saberia explicar, parecia amor à primeira vista. Enfrentando seu nervosismo, esperou vagar o lugar ao lado de Agostina e sentou-se ao seu lado. A garota deu um sorriso meio amarelo, afinal não poderia ignorar de vez a outra que estava na mesma sala que ela na faculdade de jornalismo.
Viviane percebeu, mas não se fez de rogada. Sabia que era importante. Tirou qualquer assunto do fundo do baú, não saberia dizer como, ela que era péssima nisso de puxar assunto, mas conseguiu entabular uma conversa contínua com Agostina, até o ponto em que ela desceu.
Ao chegar em casa, sua mãe acabava de passar um café.
- E aí minha filha, não vai me contar as novidades da faculdade, não? Como são as pessoas da sua turma, você se enturmou com alguém, fez algum amigo?
- É, mãe, mais ou menos, as pessoas são meio estranhas, você sabe, e eu também sou meio bicho-do-mato. Mas, sim, tem a Agostina. O pai dela é de Vassouras, não era para lá que você ia quando tinha a nossa idade? Quer dizer, era – ele morreu quando ela tinha doze anos, de infarte. O nome dele era Alberto.
A mãe, que estava em pé, ficou transparente e se sentou apoiando as mãos na mesa da copa.
- Não acredito... O Alberto...
Sem dizer palavra, foi ao armário do corredor e tirou uma caixa muito antiga, lá do alto, lá do fundo. De dentro, fotos e mais fotos de sua mãe de braços dados com Alberto – este, praticamente uma Agostina de calças –, Alberto quando criança, Alberto com os pais, cartas e mais cartas com o resquício do que deveria ter sido um perfume floral.
- Alberto foi o grande amor da minha vida, minha filha. Depois dele, só seu pai.
Viviane suspirou, lembrando da blusa jeans com flores bordadas e do cabelo preto breu cortado em franjinha de Agostina.


Conto escrito para o encontro de 04/ 08/ 2015




Daniela Ribeiro é jornalista, trabalhou nas indústrias fonográfica e cinematográfica e atualmente é mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada na UERJ. Frequenta o Clube da Leitura desde junho de 2013.


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