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Mostrando postagens de maio, 2020

Curriculum Vitae, por Felipe Souza

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Felipe Souza - Curriculum VItae - O que as pessoas que se reportam diretamente a você diriam sobre você?   - Provavelmente nada muito bom. Sou um sujeito muito inseguro. Fico realmente bem desconfortável quando as pessoas se aproximam pra falar comigo, ainda mais quando eu nunca vi aquela pessoa na vida, ainda mais quando são aquelas malditas pessoas cheias de segurança e que falam comigo me olhando fixamente nos olhos, parecendo que querem estabelecer algum tipo de contato diretamente com minha alma. Isso realmente me desconcerta! Não sei onde enfiar as mãos, onde enfiar a cara, como disfarçar a ridícula mancha rosada que começa a se formar em cada bochecha, a represa que começa a transbordar de cada poro de minhas mãos e axilas. Está vendo, senhora, nem agora estou conseguindo. Ainda bem que você às vezes para de olhar pra mim e começa a anotar coisas aí em seu caderninho, senão esta entrevista seria bem difícil, realmente bastante insuportável pra mim. Mote lido por José Petrola, pa

Uma luta, por Ana Claudia Calomeni

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A luta humana, se resumida, não passa da luta do ser contra ele mesmo. As forças negativas, nestes tempos mais acirradas, empurram as positivas pro meio da escuridão. O ser mais racional vai me chamar de maniqueísta, vai dizer que simplifico as coisas. E eu vou ter que concordar. Sim, eu simplifico as coisas. E, sim, é uma construção maniqueísta de mundo. Quem não está sujeito a maniqueísmos que atire a primeira pedra. Quem nunca dividiu seus dias em bons e ruins? Como foi o seu dia hoje? Péssimo, respondo, é a minha rápida análise sobre um dia de extensas 24 horas em que mil coisas acontecem (talvez eu deva me exercitar pras sutilezas). Quem nunca sentiu vir lá do fundo da alma aquela pontada diante de um desejo prestes a se realizar e uma voz: isso não vai dar certo. É disso que falo. Há sempre um outro em mim que torce contra, que puxa tapete. Reconhecêlo é fundamenta

Confinados, por Guilherme Preger

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Confinados     Pá-pá-pá-pá-pá-pá-pá.     Contei sete estocadas e logo depois veio o grunhido e a prostração. Tão previsível. Nem senti a bolsa de látex no interior de minha vagina se encher de esperma. Seria tão bom que fosse como antigamente, sem caminsinha, e sentir o líquido quente se espalhar no meu interior. Será que depois da pandemia todos se beijariam apenas com máscaras de látex, assim como se transa? Acho pior beijar de látex do que trepar de camisinha.      Então eu tinha cumprido o desejo. No caso, o dele. Eu mesmo havia contado a ele que na noite anterior tinha ouvido o casal de vizinhos abaixo trepando enquanto ele roncava ao meu lado. Como você sabe que estavam trepando, ele se mostrou imediatamente curioso. Pelas estocadas e pelos gemidos, respondi. Poxa, você nem me acordou: ele ficou chateado. Eu queria ouvir a foda também, disse então, fazendo aquele gesto obsceno com as mãos, uma socando a outra, como um murro, uma "paulada". E me perguntou: você se mastur

Sono, por Haruki Murakami

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É o décimo sétimo dia em que não consigo dormir. Não se trata de insônia. Pois dela eu entendo um pouco. Na época da faculdade tive uma coisa parecida. Digo “parecida”, pois não posso afirmar categoricamente que aqueles sintomas estavam relacionados ao que as pessoas costumam chamar de insônia. Se eu tivesse procurado um médico, talvez ele teria me dito se aquilo era insônia ou não. Mas não procurei. Achei que seria perda de tempo. Uma decisão puramente intuitiva _ desprovida de qualquer fundamento _, pautada pelo simples fato de eu achar que não valia a pena. Portanto, não procurei ajuda médica e, tampouco, quis comentar o fato com familiares e amigos. No fundo, eu sabia que, caso comentasse isso com alguém, certamente seria aconselhada a procurar um hospital. Essa “coisa parecida com insônia” durou cerca de um mês. Nesse período, não consegui ter uma única noite decente de sono. Todas as noites, ao me deitar na cama, eu me dizia mentalmente “agora é hora de dormir”. Mas, no mesmo

Ambrosia, por Ana Claudia Calomeni

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AMBROSIA “Vou procurar flores wicca”, pensa Ambrosia e sai, resplandecente, pura e alva, de trás do véu das águas da cachoeira. Ambrosia acabara de adentrar a adolescência, seu corpo, ainda aquele desconhecido, se transformava a olhos vistos. A moça, entretanto, não se dava conta do efeito que seus pequenos seios rijos, suas coxas bem desenhadas, suas ancas avantajadas, seus ainda escassos pelos pubianos poderiam causar nos homens. E assim ela seguia, firme e inocente, procurando as flores wicca, suas preferidas.  Afasta-se, então, Ambrosia, mais e mais, das companheiras. As wicca são uma rara espécie de flor, que só crescem por aquelas paragens. São pequeninas e suas cores variam das mais brancas às mais rubras, passando pelas amarelas, alaranjadas, roxas. Há também as wicca azuis, mas essas, dizem, só os homens conseguem enxergar. Das rosas Ambrosia já está bem enjoada, eram as que ela mais via. E, pelo que ela havia sabido, atrás das wiccas rosas sempre há as azuis que, a depender d