Perdedor de prazo - Janina Daou



Perdedor de prazo


Sete de agosto de dois mil e quinze. Sr. Denilson, aniversariante, vizinho e assíduo frequentador dos supermercados Jupirinha, ganha um vale bônus deste estabelecimento. Debaixo da sua porta um envelope cujo conteúdo indicava sua sorte grande: “O SUPERMERCADO JUPIRINHA DESEJA UM FELIZ ANIVERSÁRIO A VOCÊ SR. DENILSON! E PARA COMEMORAR, CONFIRA JÁ NOSSAS OFERTAS! UM ABRAÇO DA EQUIPE JUPIRINHA”. Junto com a mensagem havia um vale de cem pratas a ser utilizado em compras no Jupirinha.

Passou o aniversário com a esposa e as crianças. Um almoço alegre e tranquilo – tudo o que Denilson desejava para si mesmo. No dia seguinte, após um longo dia de trabalho, foi ao supermercado resgatar o seu prêmio.

“Boa noite, cartão Jupirinha?” – disse a caixa.

“Boa noite. Sim, cartão Jupirinha e também meu vale-presente” – mostrou seu vale após a moça passar as compras.

“Deu R$ 92.85. Só aceitamos dinheiro ou cartão, senhor”.

“É que ontem foi meu aniversário, querida” – disse com um sorriso tímido nos lábios ao estender o cupom pra moça.

“Fico feliz pelo senhor. R$ 92.85, parcelamos em até três vezes sem juros no cartão” – ela olhou o cupom de modo a imediatamente ignorá-lo.

“Não moça. Tenho R$100 de bônus, veja”.

“Entendo senhor, mas não posso autorizar a venda já que não recebi nenhuma orientação sobre esta promoção, senhor”.

“COMO ousam distribuir vales-presente no mês de aniversario dos clientes, então?”.

“Esta informação eu creio que o senhor consiga ao entrar em contato com o nosso SAC, senhor”.

“Que ótimo... E qual é o número, minha filha?”

“Creio que esta informação o senhor consiga com qualquer um dos nossos fiscais, senhor”.

Atrás dele, gritava uma senhora que aguardava na fila com um carrinho abarrotado de compras:

“Toda vez aqui é isso. É gente empacada no caixa, é caixa empacando a gente. Olha, se esse país fosse sério a gente teria o mínimo de cidadania, não deixava o outro plantado na fila, pensava no próximo. Ô moço, eu tenho hora, filhinho. O que é que falta? Chama logo esse fiscal!”

“Que é que há? A senhora faz favor de aguardar a sua vez. Tô aqui no meu direito e não saio enquanto não obter a completa gratuidade das minhas compras.”

“Gratuidade? Que gratuidade? Aí eu também quero meu bem!” – e soltou uma gargalhada horrorosa.

Denilson mostrou com um orgulho duvidoso o vale-presente para a senhora:

“Aniversariante do mês. Tenho direito a compras de graça, se quer saber”.

“Era só o que me faltava... malandro querendo dar o calote no caixa. E a outra com cara de tacho ouvindo tudo, bobinha! Não deixa ele te passar a perna não, querida. Esse país não tem jeito mesmo. É só malandro querendo se dar bem”.

 “Não tem calote não senhora, é o meu direito de...”

“Que direito o que seu salafrário!” – Interrompeu ela. “Fique sabendo que ontem foi meu aniversário e não recebi nenhum benefício especial. E olha que eu sou cliente do Jupirinha há anos e...”

A senhora continuava a gritar, embora neste instante a sua voz fosse simples pano de fundo para um sentimento de infelicidade que se alojou no peito de Denilson ao saber que fazia aniversário no mesmo dia que aquela mulher.

Diante de tal embaraçosa situação, a caixa acordara de um certo estado atônito e gritou: “Fiscal Clayton favor comparecer ao caixa de número seis com urgência!”

“Deus é pai!” – disse a senhora.

“Finalmente, minha filha. Vamos resolver isso”. – disse Denilson.

“O supermercado Jupirinha deseja uma boa noite a todos. Em que posso ajudar os senhores?”

“Senhor. Eu, no caso”. Afastaram-se do caixa Denilson e o fiscal Clayton enquanto a caixa iniciava o atendimento à senhora que continuava a resmungar - muito mais por força do hábito do que por questões circunstanciais.

“É o seguinte Clayton, recebi esse vale-presente na condição de aniversariante do mês, mas a dona senhorita caixa não o reconheceu. Como pode isso, meu amigo? Vocês estão de brincadeira comigo”.

“Identidade, por favor, senhor”.

O fiscal olhou a identidade. Olhou o vale. Olhou a identidade novamente.

“Hum... Brincadeira não senhor. De fato o senhor foi sorteado, no entanto, nosso vale cupom especial de aniversário só é válido até à meia noite do dia de nascimento do aniversariante”.

“Que absurdo! Imagina só se eu, no especial dia do meu aniversário vou ficar enfurnado em fila de supermercado! O senhor sabe quantas horas eu trabalho por dia? Sabe?”

“Posso imaginar, senhor. Mas pense positivo. Ano que vem terá a chance de ser sorteado novamente e quem sabe poderá usufruir de seu prêmio, hã? Agora, peço licença, pois devo me dirigir com urgência ao caixa três. O Jupirinha agradece a preferência e deseja um ótimo final de noite pro senhor”.

 E deu as costas o fiscal Clayton.

“Falta de respeito... Jupirinha de merda!”

Um sentimento de revolta tomou conta de Sr. Denilson. Prometeu boicotar o supermercado. Nunca mais colocaria os pés naquele lugar. Mas acontece que ele foi o ganhador do mesmo prêmio no ano seguinte, dia do seu aniversário.

Em um primeiro momento pensou “que se dane o Jupirinha e esse prêmio de merda”, mas, analisando melhor a situação, decidiu fazer valer os seus direitos - desta vez com ares de vingança.

Foi ao Jupirinha depois de um longo e cansativo dia de trabalho. Diferente do ano anterior, o dia do seu aniversário foi tomado por preocupações de diversas ordens, dentre elas, a necessidade de resgatar seu prêmio e esboçar um sorrisinho de arrogante satisfação ao caixa atendente. Estava lá ele, tarde da noite. Decidiu ir até o supermercado em um horário sem as filas quilométricas que tanto o perturbava. Ansioso e com o cupom na mão, aguardava à sua frente a única cliente a ser atendida, uma senhora.

“Cupom de aniversário, hein?” – disse ela.

“Sim, senhora. Tirei a sorte grande”.

A senhora já estava de saída com suas compras, mas num instante, lembrou de fazer a recarga do celular - operação que mostrava-se de difícil realização.

“A senhora está digitando onze dígitos, senhora. São apenas nove, OK?” – disse a caixa, pela terceira vez.

“Ah, que cabeça a minha... vamos de novo, querida”.

Digitou pela quarta vez.

“A senhora digitou apenas sete números, senhora” – a caixa já demonstrava irritação, tal como Denilson, logo atrás, ao olhar o relógio. 23h56. Tinha quatro minutos para resgatar seu prêmio. Quatro minutos lhe restavam do seu dia de aniversário.

A senhora continuava a errar os números, sempre a insistir numa nova tentativa. De repente Denilson arregalou os olhos. À sua frente tinha a mesma senhora resmungona do ano anterior. Um caminhão de gelo era descarregado em seu coração.

“Não acredito... a senhora de novo! Não, não atenda ela moça! Isso aí é tudo cena, tá querendo me sacanear!”

“Sim, sou eu meu bem. Feliz aniversário pra você também, viu? Pode parar de gritar que estou no meu direito de ser atendida. Pensando bem, já vou indo. Está um pouco tarde, veja só, meia noite! Melhor o senhor deixar estas compras para o ano que vem hein? Isso se tiver sorte... Passar bem”.

“Velha dos infernos!”

Estendeu o cupom para a moça do caixa, desesperado. Era tudo o que lhe restava. Ela o olhou com desdém.

 “Moça... por favor... meu vale. Aqui”.

“Identidade, senhor?”

“Sim”.

A moça olhou a identidade. Olhou para o vale. Olhou a identidade novamente.

“São 00h02, senhor. Promoção válida até às 00h00 do dia do nascimento do aniversariante”. – começou a passar as compras.

“R$92.85. Cartão Jupirinha, senhor?”


Conto escrito para o encontro de 18/ 08/ 2015




Janina Daou é livreira e escreve coisas desde não sei quando. Gosta mesmo é de dormir.

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