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Mostrando postagens de março, 2021

Minha mulher e o meu nariz, por Luigi Pirandello

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  Minha mulher e o meu nariz – O que você está fazendo? – perguntou minha mulher ao me ver demorar estranhamente diante do espelho. – Nada, – respondi – só estou olhando aqui, dentro só meu nariz, esta narina. Quando aperto, sinto uma dorzinha.  Minha mulher sorriu e disse: – Pensei que estivesse olhando para que lado ele cai.  Virei-me para ela como um cachorro a quem tivesses pisado o rabo. – Cai? O meu nariz? E minha mulher respondeu, placidamente: – Claro, querido. Repare bem: ele cai para a direita. Eu tinha 28 anos e sempre, até então, havia considerado o meu nariz, se não propriamente belo, pelo menos bastante decente, assim como todas as outras partes da minha pessoa. Por isso era fácil admitir e sustentar o que normalmente admitem e sustentam todos os que não tiveram a desgraça de nascer num corpo disforme: que é uma idiotice se preocupar com as próprias feições. A descoberta repentina e inesperada daquele defeito me irritou como um castigo imerecido.  Talvez minha mulher tenh

Sobre a Inexistência de Deus, por Guilherme Preger

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  Sobre a inexistência de Deus Estudei em colégio jesuíta. E lá me ensinaram que Deus existe e está provado. Há várias provas da existência divina. A que eu mais gosto é a de Santo Anselmo. É possível pensar num Ser absolutamente superior. Nada existiria acima desse Ser em qualquer qualidade. Mas há uma contradição nesse pensamento. Pois ao Ser absolutamente superior pensado faltaria ainda uma qualidade para sua perfeição e suprema magnitude. Ele seria apenas pensado e, portanto, inexistente. Para resolver essa contradição é preciso pensar num Ser rigorosamente semelhante a esse Ser superior pensado em todas as suas qualidades e a Ele acrescentar a qualidade da existência. Então teríamos um Ser superior que além de pensado, seria existente. Tal Ser é Deus. Sempre achei a prova de Santo Anselmo impecável, mas ao mesmo tempo, assim como na contradição do Ser superior pensado, acredito que falta à prova algum detalhe que nunca consegui encontrar. Por isso, me dediquei a uma p

Salvem as brincadeiras de rua!, por Luiz Antonio Simas

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Salvem as brincadeiras de rua Luiz Antonio Simas O crescimento das cidades e o avanço da urbanização, com as decorrências desse processo, alteraram profundamente as maneiras como as crianças se divertem. A falta do espaço público para as brincadeiras infantis redefiniu com rapidez as maneiras de a molecada interagir, fabular, pular, dançar, correr e inventar o mundo. Algumas brincadeiras do meu tempo de moleque sumiram do repertório de hoje. Eu adorava, por exemplo, rodar pneu. Uma criança era colocada dentro de uma roda de pneu grande, sem a câmara de ar; outra fazia a roda girar por uma vasta extensão. A sensação de desconforto causada pela posição do corpo em face ao movimento da roda (vez por outra alguém passava mal ou se esborrachava) era descontada pela excitação que o movimento arriscado gerava. Rodar pneu era adrenalina pura. Pular carniça era outra estripulia que dependia de espaço, a começar pela corrida de média distância que definia quem seria o mestre e quem seria a vítim

S.B. no photoshop, por Guilherme Preger

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Estou indignado. Conheço um pouco da vida.  Nasci no Bronx, percorri todas as ruas de Chicago, fotografei a máfia, mas há certas coisas que não podemos admitir. Esta notí­cia abalou Paris, de Montmartre ao Quartier Latin, dos Campos Elí­seos às Tulherias. E pelos motivos errados. Eles e elas não sabem de nada. Eu sei porque estava lá. Fotografei todos os famosos, as mais célebres personagens do século XX, mas nenhum astro se compara ao escritor N.A. Mulherengo, boêmio, talentoso, o que importa que não seja hoje considerado um dos grandes artistas do século passado? Que importa que seu nome não seja verbete de enciclopédia? Que importa que poucos saibam que ele influenciou um famoso cantor de rock com seu grande romance “Walk on the wild side”? N.A era um verdadeiro “Mandarim”, como chamava sua amante S.B., famosa intelectual francesa. Acho que a paixão ”sincera, emotiva” de S. por N. era apenas mais um exemplo do velho, inabalável e inconfesso fascí­nio que os americanos despertam nas

Surpresas não se chamam pelo nome, por Clube da Leitura Raiz

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Título Tinha uma decisão a tomar naquela semana: comparecer ou não à comemoração de 25 anos da formatura da faculdade. Precisava pesar com cuidado. Podia ser legal reencontrar aquele pessoal todo, talvez reviver um pouco do clima dos anos 90, na certa alguém puxaria no violão a velha trilha sonora. Mas também poderiam acontecer momentos meio pra baixo, a Mariana fazendo um dos seus comentários amargos, e aquele baixinho (como era o nome dele?) com sua antipatia proverbial. E se aquela pessoa viesse – melhor nem falar o nome dela – aí é que entornava o caldo. Mas a figura não devia vir não, a notícia era que ela estava na Itália, já fazia 15 anos. Em todo o caso, tinha uma situação meio delicada aí, os amigos a perguntar como é que a história rolou depois da formatura, sempre difícil comentar esse imbroglio. Bem, mas isso já fazia muito tempo, talvez desse pra tirar de letra. O mais complicado seria ouvir as baboseiras políticas do Nestor, que nasceu com o rei na barriga, todo sabereta,