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Mostrando postagens de dezembro, 2018

João Russo, por Vivian Pizzinga

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João Russo era um dos pacientes que mais gostávamos na clínica, embora sua assiduidade ao tratamento sempre tivesse sido aquém em relação àquilo que os supervisores consideravam terapeuticamente indicado, no caso dele. Russo tinha cerca de cinquenta anos. Ou um pouco mais. Um olho cego, um sorriso grátis, uma fala suave, muita vontade de gentileza, excesso de tristeza encarcerada. Quando conversava conosco, confesso: era difícil de entender, parecia que sua língua estava pela metade, danificada. Ou mesmo perambulando, troncha, pelo cerne da boca, e dando encontrões desavisados com o palato e talvez os dentes, que guardaram entre eles, algum dia, uma faca que nunca cravou o coração de ninguém. Russo já teve ódio. Já teve luta. Já teve, principalmente, muito, muito medo. Isso tudo era fácil de enxergar. Dentro dele, no entanto, o que o habitava agora era a loucura, forma possível de esquecimento, escolha de certo abandono de si e do mundo. Já isso era difícil de aceitar. João Russo n

A Casa Tomada, por Julio Cortázar

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Lembro-me bem da divisão da casa. A sala de jantar, uma peça com gobelinos, a biblioteca e três quartos grandes ficavam na parte mais afastada, a que dá frente para Rodríguez Peña. Só um corredor, com sua maciça porta de carvalho, separava essa parte da ala dianteira, onde havia um banheiro, a cozinha, nossos quartos de dormir e o living central, com o qual se comunicavam os quartos e o corredor. Entrava-se na casa por um saguão com azulejos de majólica, e a porta-persiana dava para o living . De maneira que se entrava pelo saguão, abria-se a porta-persiana e já se chegava ao living ; tinha-se, dos lados, as portas dos nossos quartos e, à frente, o corredor que levava à parte mais afastada; seguindo pelo corredor, chegava-se à porta de carvalho e mais adiante se iniciava o outro lado da casa, ou então se podia virar à esquerda, justamente antes da porta, e seguir por um corredor mais estreito, que levava à cozinha e ao banheiro. [...] Recordarei sempre, com nitidez, porque f