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Mostrando postagens de março, 2019

A biblioteca elementar, por Alberto Mussa

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Os mortos voltam para casa. Os encantados, não. Porque os mortos perdem o nome quando morrem. O nome pode ir até a encruzilhada do primeiro céu, onde fica o Urubu de Duas Cabeças, e tentar passar. Pode também arriscar passagem pelo portal de pedra, entrada da terra dos antepassados, antes que as pedras fechem e o esmaguem. O encantado, não. Um encantado não pode se aventurar nesses lugares, porque é pesado. Encantado é o morto que não consegue perder o nome na hora de morrer. Encantados vão sem rumo, procurando a morte. Não apodrecem, como os mortos. Vão se esgarçando, perdendo os contornos, com o tempo. Não sentem dor. Têm é muita angústia, muita agonia. Essa angústia é que provoca o encantamento. Dizem, os encantados, que é melhor morrer. A morte precisa ser aceita. A angústia, na hora da morte, não deixa o nome fugir, se separar da sombra. Isso é o encantamento, uma grande desgraça. E os encantados vagam. Se, daqui, você chamar, você cantar, o encantado vem. Encontra um

Raimundinha Viramundo, por Marcos Pedrosa de Souza

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Deoclesiano Davidafulo de Graça Filho era um célebre empresário da alta sociedade carioca. Tinha uma mansão de dois andares na Urca, luxuosa, fina, vistosa, e um renomado escritório comercial no centro da cidade. Frequentava o Iate Clube do Rio de Janeiro, onde gostava de ir para espairecer vendo o cair da noite. Isso quando não partia para as laranjeiras para assistir a seu filho mais velho, Deoclesiano Neto, jogar pelo Fluminense, seu clube do coração. Na torcida pelo Fluminense Football Club destilava todas as chateações do dia enquanto via o scratch  tricolor, que tinha o Deoclesiano Neto como maior craque e goleador do time, dar suas botinadas. Era um torcedor fanático, apaixonado, doente e, como em tudo, estourado. Daqueles que xingam jogadores e juízes com vontade o tempo todo. Para fugir dos aborrecimentos do Rio de Janeiro, tratou de dar vazão a uma doce nostalgia campestre que sempre alimentou e que acabou se concretizando na aquisição de uma fazenda à qual deu o nom

Lagartixa cauda-de-chicote, por Patricia Porto

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Enfim encontro–me com a lagartixa. Ela que esteve sempre presente. Um amigo homem, claro, cortava o rabo da lagartixa aos aplausos de sua mãe: "Vai, filho, corta!" Isso só para vê–lo nascer de novo, o rabo, coisa de criança – a mãe dele dizia. Assim como era um chiste que o mesmo menino chutasse o rabo da babá – aos cinco anos de idade – quando voltava da sua escola em Londres. Meninos que cortam rabos de lagartixas adoram Londres – nem preciso fazer pesquisa – conheci muitos. Meninos que ficaram presos no cordão de fel de suas mães adoram cortar os rabos das lagartixas – alguns até queimam o rabo da lagartixa. Esses meninos não conhecem as mulheres amazonas ou as mulheres das ribeiras. Lá onde as águas cantam, as florestas abraçam – meninos que cortam, chutam ou queimam o rabo da lagartixa – eles simplesmente não existem. Mas foi quando vim para o Rio de Janeiro que conheci os cortadores de rabos de lagartixa, um terror. ( mote vencedor para o encontro de 12/03/2019)