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Mostrando postagens de maio, 2018

10:04, de Ben Lerner

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Quando nossos corpos se separaram, pensei ter visto a respiração condensada de Alena vagando pelo ar, mas o apartamento estava quente demais para isso; seja como for, corpo dela voltou à homeostase, e pelo visto muito mais rápido do que o meu. Ela levantou-se do colchão, alisou o vestido que não chegara a tirar em nenhum momento e eu me recompus e segui-a até a escada de incêndio, onde recebi as luzes do prédios mais altos que assomavam à nossa volta, todos eles envoltos em um halo agora. Alena tirou um cigarro de um maço que já devia estar em cima de uma lata de tinta cheia de areia e acendeu-o com um fósforo que risca em qualquer lugar - de proveniência obscura- na parede de tijolos externa do prédio. "Ah para com isso" eu disse, referindo-me àquela atitude descolada absurda e cumulativa. Ela bufou um pouco quando riu e depois tossiu fumaça, voltando a ser real. Ficamos conversando sobre a exposição enquanto o cigarro durou - a abertura teria início dali a uma ou duas h

Jogo de cena em Bolzano, de Sándor Márai

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No livro de Sándor Márai, Jogo de cena em Bolzano , Giacomo Casanova fugiu da prisão em Veneza, e permanece por um tempo em Bolzano, cidade do Tirol italiano. Circunstâncias várias fazem com que ele receba em seu quarto de hotel, quando se preparava para um baile de máscaras em casa dos condes de Parma, a visita da própria condessa, já vestida para a festa – a condessa que, na descrição do autor, foi o grande amor de Casanova. Segue parte da fala da Condessa de Parma: E nos dois palcos, na cama e no mundo, seremos cúmplices que sabem tudo sobre si mesmos e os outros, e não teremos mais medo de atuar no palco, porque o amor é cumplicidade e aliança, Giacomo, não apenas fervor e promessa, lágrimas e gritos; é uma aliança muito séria e dura. E sustentarei essa aliança até a morte. O que irá acontecer? Não tenho planos, Giacomo. Não digo "Cá estou, sou sua, leve-me com você", pois são apenas palavras tolas. Mas você precisa saber que, se não me levar consigo agora, esperar

Asas de papel, por Carmen Belmont

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Asas de papel, por Carmen Belmont –  Corta. Corta tudo – disse a voz que parecia sair dela, irreconhecível. Enquanto as mechas longas caíam, a imagem da mulher que ela fora se desfazia no espelho, interrogando-a com um misto de indignação e tristeza, mas ela não se deixou intimidar: sustentou o olhar reprovador levantando a curva dos lábios no lado direito da face, quase como se fosse dar um sorriso. Mas não sorriu; ficou observando aquela figura que chegava, como uma onda inesperada, nos cachos rebeldes cujas pontas curtas se multiplicavam desordenadamente sobre a nuca recém-descoberta. – Chega. Assim já está bom. – Mas... ainda não terminei  e – – Terminou sim – disse e se levantou da cadeira onde estivera sentada, penteando, com os dedos, os cabelos ainda úmidos. Parecia um moleque que acabara de escapar da chuva – pensou, algo divertida, sacudindo gotas brilhantes sobre a bancada envidraçada. Pagou e ganhou a rua rapidamente, juntando-se aos passantes da tarde,