Jogo de cena em Bolzano, de Sándor Márai
No livro de Sándor Márai, Jogo de cena em Bolzano, Giacomo
Casanova fugiu da prisão em Veneza, e permanece por um tempo em Bolzano, cidade
do Tirol italiano. Circunstâncias várias fazem com que ele receba em seu quarto
de hotel, quando se preparava para um baile de máscaras em casa dos condes de
Parma, a visita da própria condessa, já vestida para a festa – a condessa que,
na descrição do autor, foi o grande amor de Casanova.
Segue parte da fala da
Condessa de Parma:
E
nos dois palcos, na cama e no mundo, seremos cúmplices que sabem tudo sobre si
mesmos e os outros, e não teremos mais medo de atuar no palco, porque o amor é
cumplicidade e aliança, Giacomo, não apenas fervor e promessa, lágrimas e
gritos; é uma aliança muito séria e dura. E sustentarei essa aliança até a
morte. O que irá acontecer? Não tenho planos, Giacomo. Não digo "Cá estou,
sou sua, leve-me com você", pois são apenas palavras tolas. Mas você
precisa saber que, se não me levar consigo agora, esperarei por você para
sempre em segredo, até que se lembre de mim e em um belo dia, gentilmente,
venha me buscar. Não tenho motivos para fazer juras e promessas, pois conheço a
verdade, meu amor, e a verdade é que você é o verdadeiro homem da minha vida.
Pode me deixar, como já fez antes, você fugiu covardemente não do conde de
Parma, e sim da força de seus sentimentos, do reconhecimento de que eu sou a
verdadeira mulher da sua vida. Você não sabia disso com palavras nem com a
razão, mas sabia com o coração e o corpo, por isso fugiu. E fugiu inutilmente,
pois agora aqui estamos frente a frente, aguardando o momento de tirarmos as
máscaras, para nos vermos com é preciso. Ainda nos olhamos através de máscaras,
meu amor, há muitas e muitas máscaras entre nós e devemos tirá-las todas, para
que conheçamos o rosto verdadeiro e nu de cada um. Não se apresse, não se
precipite, não mexa nela, não a tire ainda. Não é por acaso que nos
reencontramos mascarados depois de tanto tempo, quando cada um de nós
finalmente deixou sua prisão e nos vemos um diante do outro; não se apresse em
tirar a máscara porque encontrará outra por baixo, que, mesmo feita de carne,
osso e pele, mesmo assim é uma máscara, como a de seda. Ainda devemos nos
desfazer de várias máscaras até que eu possa ver e reconhecer seu rosto. Sei
que em algum lugar muito longínquo vive esse seu outro rosto, e é esse que
quero ver um dia, porque amo você.
In: MÁRAI, Sándor. Jogo de cena em Bolzano.
São Paulo : Companhia das Letras. 2017. Páginas 219-220.
(Mote vencedor, lido por João Mattos para o encontro de 22/05/2018).
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