Espiral, de Geovani Martins

Começou muito cedo. Eu não entendia. Quando passei a voltar sozinho da escola, percebi esses movimentos. Primeiro com os moleques do colégio particular que ficava na esquina da rua da minha escola, eles tremiam quando meu bonde passava. Era estranho, até engraçado, porque meus amigos e eu, na nossa escola, não metíamos medo em ninguém. Muito pelo contrário, vivíamos fugindo dos moleques maiores, mais fortes, mais corajosos e violentos. Andando pelas ruas da Gávea, com meu uniforme escolar, me sentia um desses moleques que me intimidavam na sala de aula. Principalmente quando passava na frente do colégio particular, ou quando uma velha segurava a bolsa e atravessava a rua pra não topar comigo. Tinha vezes, naquela época, que eu gostava dessa sensação. Mas, como já disse, eu não entendia nada do que estava acontecendo.
As pessoas costumam dizer que morar numa favela de Zona Sul é privilégio, se comparamos a outras favelas na Zona Norte, Oeste, Baixada. De certa forma, entendo esse pensamento, acredito que tenha sentido. O que pouco se fala é que, diferente das outras favelas, o abismo que marca a fronteira entre o morro e asfalto na Zona Sul é muito mais pronunciado. E foda sair do beco, dividindo com canos e mais canos o espacio da escada, atravessar as valas abertas, encarar os olhares dos ratos, desviar a cabeça dos fios de energia elétrica, ver seus amigos portando armas de guerras, pra depois de quinze minutos estar de frente pra um condomínio, com plantas ornamentais enfeitando o caminho das grades, e então assistir adolescentes fazendo aulas particulares de tênis. É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crecemos, maiores se tornam os muros.

(Mote vencedor para o encontro de 18/09/2018, lido por Teresa Pique)

Geovani Martins nasceu em 1991, em Bangu, no Rio de Janeiro. Trabalho como “homem-placa”, atendente de lanchonete, garçom em bufê infantil e barraca de praia. Em 2013 e  2015, participou das oficinas da Festa Literária das Periferias, a Flup. Publicou alguns do seus contos na revista Sector X e foi convidado duas vezes para a programação paralela da Flip.




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