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Mostrando postagens de novembro, 2020

Noites Brancas, por Fiodor Dostoievski

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  Eu tinha vindo a ela de coração aberto e mal podia esperar a hora da entrevista. Não suspeitava mesmo o que devia suportar hoje, não pressentia que tudo isto acabaria de outro modo. Ela estava radiante de alegria, esperava a resposta. A resposta era ele mesmo. Ele devia vir, acorrer a seu apelo. Ela veio antes de mim, uma hora antes. No começo desatava a rir por qualquer motivo, a cada palavra minha ela ria. Comecei a falar e depois me calei. - Sabe por que estou tão contente, - disse ela – tão contente de o ver? Por que estou gostando tanto de você hoje? - Então? - perguntei, e meu coração fremiu. - Estou gostando de você porque não se enamorou de mim. Um outro no seu lugar, não é? Me importunaria, insistiria, soltaria suspiros, cairia em delíquio, enquanto que você, você é sempre gentil! Neste momento, ela apertou minha mão tão fortemente que quase gritei. Ela riu. Deus, que amigo você é! Recomeçou ela ao cabo de um minuto, muito seriamente. - Mas foi Deus que o pô

A Velha e a Santa, por Camilla Agostini

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Henry havia chegado há pouco mais de uma semana em Santana da Piedade. Andava com a camiseta para fora das calças, imitando o jeito de vestir dos moradores daquele povoado de poucos habitantes, no Noroeste de Minas Gerais. Mas suas pernas compridas muito brancas, cabelos rubros e olhos como faróis denunciavam sua origem estrangeira, mesmo tendo aprendido a andar de chinelos.      Santana da Piedade era conhecida por suas formações rochosas cobertas por jardins naturais de bromélias gigantes e outras espécies raras. Para o processamento das amostras coletadas na região, o botânico reorganizou os móveis dentro do quarto da Pousada Rio Bonito. Levou a mesinha de madeira para próximo da luz natural que vinha da janela, ajudando nas análises com a lupa e as anotações. A luminária ao lado da cama foi posta no chão, permitindo o remanejamento da mesa de cabeceira para ser coberta por um veludo azul marinho, no improviso de um mini estúdio para registros fotográficos. A segunda cama de solteir

A Velha Senhora, por Guilherme Preger

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  A Velha Senhora olhou os jovens mascarados pela janela de seu apartamento e pensou: “Covardes! Têm medo de morrer! Quem tem medo de morrer não está preparado para viver e sobreviver. Como eu. Eles acham que eu cheguei a noventa e quatro anos como? Com medo de morrer? Se tivesse medo, teria ficado pelo meio do caminho. Não teria tido filho. Não teria aguentado o divórcio. Não teria bancado minhas próprias contas. Não teria comprado este apartamento. Covardes!”. Ela costumava a sair sem máscara para demonstrar seu desdém pelos medrosos. Quem tem medo de morrer acaba por se tornar escravo. Mas ela era uma Senhora. Ela mandava, nunca havia recebido ordens de ninguém, nem do Falecido. Os funcionários da Padaria reclamavam. “A Senhora não pode andar sem máscara, não!”. Queria ver que não a deixassem entrar. Sempre deixavam, pois aqueles servos eram interesseiros. Eram medrosos mas não rasgavam dinheiro. E comprava seus pães e o leite. E pagava com dinheiro. Sempre dava uma tossezinha pa

Ver é um Todo, de Henri Cartier-Bresson

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Cartier-Bresson, Henri. Ver é um todo. Entrevistas e conversas. 1951-1998. São Paulo: Gustavo Gili, 2015, pp. 47-48. Existe Transcendência Entrevista com Sheila Turner-Seed (1973) Você precisa se esquecer de si mesmo. Você precisa ser você mesmo, esquecer-se de si mesmo e mergulhar totalmente no que faz para que a imagem ganhe mais força. [...] Sem pensar. Ideias são muito perigosas. Você precisa pensar o tempo todo, mas quando fotografa você não está tentando apresentar um argumento ou demonstrar alguma coisa. Você não prova nada. Acontece sozinho. A fotografia não é um meio de propaganda, mas uma maneira de gritar o que sentimos. É a mesma diferença entre um folheto publicitário e um romance. O romance precisa passar por todos os canais nervosos, pela imaginação. Ele tem muito mais força do que um prospecto pelo qual passamos os olhos antes de jogar fora. E a poesia é a essência de todas as coisas. Com frequência vejo fotógrafos cultivando a estranheza ou a imperfeição de uma cena pe