Ver é um Todo, de Henri Cartier-Bresson

Cartier-Bresson, Henri. Ver é um todo. Entrevistas e conversas. 1951-1998. São Paulo: Gustavo Gili, 2015, pp. 47-48.


Existe Transcendência

Entrevista com Sheila Turner-Seed (1973)


Você precisa se esquecer de si mesmo. Você precisa ser você mesmo, esquecer-se de si mesmo e mergulhar totalmente no que faz para que a imagem ganhe mais força. [...] Sem pensar. Ideias são muito perigosas. Você precisa pensar o tempo todo, mas quando fotografa você não está tentando apresentar um argumento ou demonstrar alguma coisa. Você não prova nada. Acontece sozinho. A fotografia não é um meio de propaganda, mas uma maneira de gritar o que sentimos. É a mesma diferença entre um folheto publicitário e um romance. O romance precisa passar por todos os canais nervosos, pela imaginação. Ele tem muito mais força do que um prospecto pelo qual passamos os olhos antes de jogar fora.


E a poesia é a essência de todas as coisas. Com frequência vejo fotógrafos cultivando a estranheza ou a imperfeição de uma cena pensando tratar-se de poesia. Não. A poesia contém dois elementos que, de repente, entram em conflito, é uma faísca entre ambos. Mas ela acontece muito raramente e não pode ser buscada. É como buscar inspiração. Não. Ela só chega quando nos desenvolvemos e vivemos totalmente imersos na realidade. Quando vou a algum lugar, sempre espero conseguir a foto sobre a qual se dirá: “É verdade. Você sentiu corretamente”. Ao mesmo tempo, porém, não sou nem analista político nem economista. Não sei contar. [...] Sou obcecado por uma única coisa, o prazer visual. Minha maior alegria é a geometria, isto é, a estrutura. Você não pode sair por aí fotografando em busca de uma estrutura, de formas, de motivos e desse tipo de coisa, mas você sente um prazer sensual e simultaneamente um prazer intelectual ao ver que tudo está no lugar certo. É o reconhecimento de uma ordem que está na sua frente. E, finalmente – mas esta é estritamente a minha maneira de sentir as coisas – adoro fotografar. Estar presente. É uma maneira de dizer: “Sim! Sim! Sim!”, como as três últimas palavras de Ulisses, de [James] Joyce. [...] É um “Sim, Sim, Sim”. Não existe talvez. Todos os “talvez” deveriam ir para a lata de lixo. Porque é um instante. É um momento. É uma presença. Está aqui. E dizer “sim!” é um prazer maravilhoso. Mesmo para uma coisa que detestamos. “Sim!” É uma afirmação. 

(Mote lido por Camilla Agustini para o encontro de 17/11)


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