Noites Brancas, por Fiodor Dostoievski

 

Eu tinha vindo a ela de coração aberto e mal podia esperar a hora da entrevista. Não suspeitava mesmo o que devia suportar hoje, não pressentia que tudo isto acabaria de outro modo. Ela estava radiante de alegria, esperava a resposta. A resposta era ele mesmo. Ele devia vir, acorrer a seu apelo. Ela veio antes de mim, uma hora antes. No começo desatava a rir por qualquer motivo, a cada palavra minha ela ria. Comecei a falar e depois me calei.

- Sabe por que estou tão contente, - disse ela – tão contente de o ver? Por que estou gostando tanto de você hoje?

- Então? - perguntei, e meu coração fremiu.

- Estou gostando de você porque não se enamorou de mim. Um outro no seu lugar, não é? Me importunaria, insistiria, soltaria suspiros, cairia em delíquio, enquanto que você, você é sempre gentil!

Neste momento, ela apertou minha mão tão fortemente que quase gritei. Ela riu.Deus, que amigo você é! Recomeçou ela ao cabo de um minuto, muito seriamente. - Mas foi Deus que o pôs no meu caminho! Pense, que aconteceria, se não estivesse comigo neste momento? Como você é desinteressado! Como gosta de mim! Quando me casar seremos muito amigos, mais que irmãos! Eu amarei você quase tanto quanto ele...

Senti uma espécie de desgosto pungente, nesse instante. Entretanto, alguma coisa como um riso de agitou na minha alma.

- Você está em crise – disse eu – tem medo, pensa que ele não virá.

- Vá para o diabo! = respondeu ela- Se estivesse menos feliz, creio que choraria, com a sua descrença, suas censuras. De resto, você me deu uma ideia e forneceu matéria para reflexão. Mas isto é para mais tarde: agora, confesso, você disse a verdade. Não, não estou tranquila, estou toda na expectativa e sempre sinto as coisas tão facilmente... Mas chega, deixemos os sentimentos!...

Nesse momento, ouviram-se passos, e na obscuridade se mostrou um transeunte que avançava a nosso encontro. Estremecemos os dois; ela quase deu um grito. Eu deixei cair sua mão e fiz um gesto como para me afastar. Mas tínhamos nos enganado: não era ele.

- De que tem medo? Por que deixou minha mão? - disse ela, entregando-ma de novo. - Veja bem, seja o que for, nós o acolheremos juntos. Quero que ele veja quanto nos amamos os dois

- Quanto nos amamos os dois! - Exclamei.


De DOSTOIEVSKI, Fiodor. Contos. São Paulo: Cultrix, 1985.


(Mote lido por Guilherme Preger para o encontro de 08/12/2020).




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