A visita - Poliana Paiva
A visita
Fabrícia não gosta de médico. Mas suas articulações
a levaram a uma consulta. Depois de falar por uma meia hora sobre seus sintomas
e de mostrar seus exames, começa o diálogo com o doutor:
-A causa disso é o stress. Ele faz com que seu
sistema imunológico ataque suas articulações, julgando que elas são corpos
estranhos. Por isso a dor e o inchaço.
-E agora, doutor?
-Agora vamos tomar cortisona.
-Mas cortisona engorda.
-Entre outras consequências...
-Se eu engordar vai ser pior pras minhas articulações,
não?
-A sobrecarga aumenta, sim.
-Não tem outro jeito?
-Você não quer parar de sentir dor?
-Se eu não quisesse, não estaria aqui, né?
-Pois então, estou te apresentando uma solução...
-Mas e quanto ao stress? O senhor prescreve alguma
coisa?
-Um pouco de diversão, talvez. Você gosta de cinema?
-Gosto.
-Tem um filme de ação com Tom Cruise em cartaz.
Minha esposa sempre relaxa quando vê esse cara. Eu, sinceramente, não vejo nada
de mais naquele baixinho...
-Mas doutor, assistir a um filme não vai combater a
causa do meu stress.
-Sexo também é bom. Você tem um companheiro?
-Tenho uns cinco caras com quem saio. Mas juntos
eles não valem um inteiro.
-Sei como é. Amores
líquidos...
-Por aí...
-E se eu não tomar a cortisona? O que acontece?
-Você pode ficar deformada. Especialmente nas mãos.
Você escreve, né?
-Sim. Escrevo.
(PAUSA DRAMÁTICA)
-Não, não chore, garota. Tem coisas muito piores.
-O senhor quer que eu faça o quê? Se sem cortisona
tenho cinco caras que não valem um inteiro, inchada vou criar teia de aranha.
-Olha, vamos fazer o seguinte: você toma uma caixa
de remédio. Entrando em remissão, a gente ataca com fisioterapia. Depois, se as
dores voltarem, você procura um outro tipo de tratamento. Eu não sou o único
médico que cuida de articulações.
-Obrigada, doutor. Posso pedir mais uma coisa?
-Claro.
-Me deixa usar essa nossa conversa prum conto que
estou escrevendo? Ando com pouca inspiração ultimamente...
-Claro.
-Outra coisa.
-Diga.
-Me tira uma dúvida: maconha alivia essas dores?
-Você não vai colocar isso no teu conto não, né,
garota?
Os dois sorriram. Como se no silêncio trouxessem à
tona as verdades mais indizíveis e as esperanças mais desesperadas.
Em tempos de amores líquidos, tudo que é sólido
continua se desmanchando pelo ar.
Em forma de fumaça, de preferência.
Conto escrito
para o encontro de 18/ 08/ 2015
Poliana Paiva é formada em Cinema pela Uff e em
Teatro pela Cal. Dirigiu e roteirizou 4 curtas, foi roteirista dos programas de
auditório 'Esquenta' e 'Papo de Mallandro' e, no momento, escreve seu primeiro
longa, uma série para tv e uma série pra web. Foi publicada em duas coletâneas
de novos autores e selecionada no concurso 'Poema nos ônibus e nos trens',
promovido pela prefeitura de Porto Alegre. Fora isso, integrou as exposições
'Liberte a literatura' (2012), no Centro Cultural da Justiça Federal e 'Caneta,
Lente e pincel', no subsolo do Monumento a Estácio de Sá (2013) e no foyeur do
MAM (2014). Sua página no facebook, www.facebook.com/romanticuzinhos, tem mais
de 20 mil seguidores e a ideia é transformá-la em livro até 2016.
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