O Desafio - Cláudio PS

O Desafio


Fique velho, foi o que lhe disseram. Grande vantagem, pensou. Cinquenta e cinco anos, não aposentado. Contabilista. Separado, um filho que não quer saber dele. A casa do avô materno aos finais de semana é mais divertida, ele lhe disse.
Sem sono, foi para o bar. Sentou-se, pediu uma cerveja long neck, distrair-se vendo um jogo de futebol qualquer. Quando ela apareceu. Vestido preto com uma sobrepele rendada.
Olhou em seu olhos e perguntou: Me disseram que joga xadrez, é verdade? Mal, mas jogo, respondeu.
Sem pedir licença, sentou-se diante dele e armou um tabuleiro. Ela sempre sorrindo.
Lógico, havia alguma armadilha. Mas pensou: seja o que for, “ o que será, será, whatever will be, will  be”.
Ela pegou um peão em cada mão e cruzou-as. O código conhecido para sortear quem fica de brancas ou pretas. Ele tocou a mão direita. Ela abriu a mão. Peão negro. Ele arrefeceu o semblante.
- Preferia jogar de brancas?, perguntou num ar ameaçador.
Pensou antes de responder.
- Na verdade tanto faz,  de pretas há tempo para calcular e contra-atacar. Não é de todo ruim.
Ela faz um ar de “ele sabe o que diz”.
Ela começa. Abertura tradicional, mas nos lances seguinte mostra-se agressiva. Não dá espaços.
Ele responde lance a lance com cautela.
Ela o imprensa, ele continua sempre cauteloso.
Ela oferece um sacrifício. Um cavalo. Ele não acede. O olhar dela é furioso.
A peleja segue. Ela atacando, ele, natural ou, de repente, nem naturalmente se defendendo. Ele já sabia naquele momento que é a desafiante está melhor.
Percebendo a dificuldade, mesmo em desvantagem para ele, o jogo se encaminha para o final. Vencer? Impossível para ele, empatar talvez. Mas para isso jogadores lançam mão das regras. 
Aqueles que mesmo sem saber como se joga se aglomeraram em volta. Situação inusitada. Um contumaz jogador da praça espremido por uma bela jovem de preto.
Vendo-se acuado, manobra o Rei para uma situação quem em espanhol se chama ahogado, traduzindo afogado, não há outra peça para se mover, e o Rei está impedido de se mover. O rei, um peão, provavelmente aquele do sorteio, e a jogadora impetuosa infligindo xeques, um após o outro.
Ela percebe a situação, se levanta, estende a mão em cumprimento.
- Você resistiu muito bem. Não seria hoje que eu te derrotaria, muito provavelmente. Vou te dar um prazo, até a próxima partida.
Ele, entre assustado e aliviado, procura conscientemente não olhar em seus olhos. Teme se apavorar com uma transformação demoníaca.
 
Ela pega as peças e o tabuleiro, e vai embora. O pessoal no bar aplaude.
Um rapaz pergunta: Como você se safou desta? A moça é fera!
Talvez, por que não era minha hora, como se diz.


Conto escrito para o encontro de 18/ 08/ 2015



Cláudio PS acredita que sabe escrever desde que tirou 10 em redação na oitava série.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos comprar um poeta, por Afonso Cruz

Homens não choram

Cultura: uma visão antropológica, de Sidney W. Mintz