Desde que te foste - Beatriz Moreira Lima
Desde que te foste
Desde
que te foste, sonho contigo todas as noites. Sonhos simples, cotidianos, até
meio medíocres, em que estás na rua, dirigindo teu automóvel; na praia, jogando
vôlei; no supermercado, na farmácia, no Forum, no restaurante. Passeias sempre
por locais familiares, usando as mesmas roupas que sempre vestiste, o mesmo
corte de cabelo, a barba inalterada.
Todas
as manhãs, ao despertar, penso que tais sonhos não são apenas reflexo do meu
desejo de te encontrar. Não, tenho, todo dia, absoluta certeza de que são
premonitórios, de que finalmente o acaso nos reunirá. Então me banho, me
perfumo, me maquio e me visto, com todo capricho, para ti. Depois dou um jeito
de passar no local do sonho, o que nunca é difícil ou fora de mão, pois os
locais em que apareces são aqueles do meu dia-a-dia, que já foi teu também um
dia.
Mas,
desde que te foste, há mais de duzentos dias, que não te encontro. E quando
chego em casa, à noite, como um pão francês com queijo e salame e tomo uma taça
de vinho tinto, enquanto vasculho, no computador, a tua vida. E lá estás, a
sorrir, sentado no restaurante, minutos antes ou horas depois de quando lá
estive, fingindo querer apenas almoçar, quando o que pretendia mesmo era te
rever.
Já
perdi a conta de quantas vezes se repetiu essa história. Sonho; visito o local
do sonho; não te encontro; e, à noite, no computador, te vejo no local em que
te havia sonhado, antes ou depois da hora em que lá estive. Maldita
sincronicidade do inconsciente com o virtual, cuja realidade é somente a tua
ausência.
Conto escrito para o encontro de 04/
08/ 2015
Beatriz
Moreira Lima nasceu em 1970, é funcionária pública, mas sempre gostou de
escrever. Teve um filho em 1998, publicou um livro em 2008 (“Tempos Férteis”,
editora 7 Letras) e até 2018 pretende plantar uma árvore para completar a sua
minibiografia. Enquanto isso, frequenta o Clube da Leitura.
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