2009 - Poliana Paiva



2009


O pior não era saber que entre 1978 e 1980 eles moraram no mesmo bairro, brincaram no mesmo escorrega e disputaram espaço no mesmo trepa-trepa. Não, essa não era a pior parte. Nem saber que suas mães fizeram ballet juntas era o pior. Não. O pior era pensar que eles casaram com outras pessoas, tiveram outros filhos e, enquanto faziam isso, sequer imaginavam que uma paixão do tamanho da que sentiriam um pelo outro pudesse existir. Mas existia. E eles iam sentir na pele. E na alma. E na ponta dos dedos. Não necessariamente nessa ordem.

Em 1995, eles já tinham se separado dessas pessoas com quem tiveram filhos e se casado com outras pessoas, com quem tiveram mais filhos, que provavelmente  brincaram no mesmo escorrega e disputaram espaço no mesmo trepa-trepa que seus pais, posto que ninguém saiu do bairro onde estava. Ou seja, o tempo passava e eles continuavam sem sequer imaginar que uma paixão do tamanho da que sentiriam um pelo outro pudesse existir.

Pois bem, foi na mais profunda ignorância do amor que estava por vir que, numa tarde de outono de 2009, os dois tomaram um café juntos. Em pé. Na Confeitaria Colombo. Ela, louca por ambrosias, ele, amante das bombas de creme, quando viram, estavam falando de como o açúcar tinha má fama mas era uma delícia. Dali trocaram facebook, que a essa altura já tinha virado declaração de amor pedir o celular assim de cara. Sem muitos esforços a coisa floresceu e, quando deram por eles, estavam finalmente diante de uma paixão cujo tamanho sequer imaginavam que pudesse existir. Mas estava ali, diante deles, existindo em toda sua plenitude. Na pele, na alma e na ponta dos dedos. Não é nada não é nada, ao todo, somadas todas as crias, os dois tinham 5 filhos. Três adultos e dois adolescentes.

Mas nada parecia fazer com que eles percebessem o tamanho da paixão que sentiam um pelo outro. Acostumados a casamentos desfeitos, eles acharam que logo logo aquilo tudo arrefeceria. Mas não foi bem assim e em 2011 eles tiveram mais um filho. Quer dizer, mais dois, que inseminação sempre acaba em gêmeos.

Assim, depois de 30 anos, e ainda achando que tudo tem prazo de validade, os dois podem dizer que na vida vale mesmo o que acontece.

E o que a gente sente na pele. Na alma. E na ponta dos dedos.

Não necessariamente nessa ordem.


Conto escrito para o encontro de 04/ 08/ 2015





Poliana Paiva é formada em Cinema pela Uff e em Teatro pela Cal. Dirigiu e roteirizou 4 curtas, foi roteirista dos programas de auditório 'Esquenta' e 'Papo de Mallandro' e, no momento, escreve seu primeiro longa, uma série para tv e uma série pra web. Foi publicada em duas coletâneas de novos autores e selecionada no concurso 'Poema nos ônibus e nos trens', promovido pela prefeitura de Porto Alegre. Fora isso, integrou as exposições 'Liberte a literatura' (2012), no Centro Cultural da Justiça Federal e 'Caneta, Lente e pincel', no subsolo do Monumento a Estácio de Sá (2013) e no foyeur do MAM (2014). Sua página no facebook, www.facebook.com/romanticuzinhos, tem mais de 20 mil seguidores e a ideia é transformá-la em livro até 2016.

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