Metaconto da realidade clubeana - Glória Celeste de Brito
Metaconto da realidade clubeana
Chegara ali pensando que era para aposentadoria. Até
que a chefe (soubera que era assim pq fora amante de vários colegas de
trabalho) durante este seu primeiro ano por alguns problemas gritara
histericamente com a equipe inteira, depois com os outros que trabalhavam e
tinham falhas bobas. E ainda com o diretor da instituição (seu atual amante, e
casado!) Era época de eleição e o clima estava tenso, as armações e maracutaias
de desvio de verbas poderiam ser expostos. Já começara a enviar currículos e
esperava alguns retornos. O problema de trabalhar ali é que não havia sinal de
celular decente. Precisava espairar.
A empresa é uma grande máfia onde todas as pessoas são filhos, netos ou primos, sobrinhos, cunhados das pessoas que não saíram de lá no início de tudo e, por conta de todas aquelas baboseiras sobre seleção natural e genes recessivos, isso significa que todas as pessoas que estão agora ou são fanáticos ou completos imbecis ou ― o que é cada vez mais frequente ― ambas as coisas. A espiral de corrupção crescia a olhos vistos.
Na hora do almoço começou a pensar sobre o assunto. Não costumava fazer isto frequentemente, mas depois da insistência do Maurício ia levar alguma coisa. Por isso não gostava muito de escrever. Ficava tomada por isso, durante dois dias pareceu um autômato. Depois de fechar a sala e arrumar as coisas, sentou e foi tomada. Parecia que mais nada existia: ela mesma cronometrou e o texto com os vários erros foi escrito em 15 minutos. Esse tipo de entrega era cansativa, por isso não gostava muito disso. Todo êxtase, mesmo que literário que de alguma forma coloque em contato com o divino tem seu preço.
Chegou um pouco atrasada, mas o pessoal como sempre
tinha atrasado. Que sorte... O MC ainda não estava tomado por delírios
bacantes, mas já tentava do seu jeito atabalhoado organizar a conversa que não
parava: vamos, começa logo essa porra!!
As leituras para escolha de mote começaram... o
pessoal trouxe poucos e a escolha foi fácil: um texto que falava de sexo.
Sempre que sai um desses na próxima rodada se inunda de crôncias sensuais. Cadê
a fulana? Nunca mais apareceu? Estou com saudades dela, com aquele
jeitinho mas com contos de arrepiar... e sempre torço para que uma nova figura
venha mais vezes... mas é fácil se assustar com essa balbúrdia desordenada e
com alguns palavrões sendo emitidos vez por outra.
O sicrano escreveu mais uma vez aquele conto que
todos sabem que é, com nomes escalafobéticos... e sempre a discussão: o estilo
marcado é mais importante, ou a reinvenção a ponto de não ser reconhecido,
copiar o estilo de outro para se camuflar: Alguns filosofam, atrasando mais uma
vez a rodada. TEMPO!! Cerveja, em excesso para alguns e pastéis para outros
(agora pizza). Chegam X, que agora casada está mais para establishmment que
para contra-cultura, os “autores profissionais” temperamental Y e o
homem-networking Z, hoje os turistas A e B apareceram. Continuando a leitura, a
conversa lá no fundo fica alta demais, MC começa a ultrapassar a cota das
cervejas e tenta conversar com C, que não fala baixo... e PAAREEMMM!!! Alguém
escuta alguma coisa??? Recomeço mais tranqüilo da rodada. Votam em algo que não
ouviram e nem sempre ganha o melhor trecho, mas o que foi melhor lido ou pela
simpatia de quem trouxe, pois nem todos que votam ouvem o que é lido.
Rodada de contos: QUEM TROUXE ESSE DE 10 folhas???
Porra, C!! Y reclama, Z fala que não será aceito da próxima vez e o conto é
lido. A lê o último e enquanto muita gente entra e sai, quem ouviu todos os
contos não vota, pois está do lado de fora tomando cerveja, e quem chegou
depois vota nos dois que conseguiu ouvir. E assim, la nave louca vá!
Conto escrito para um encontro em 2015
Glória Celeste trabalha na área administrativa e
com pesquisadores; como redatora escreveu projetos culturais e institucionais,
também para mídias sociais. Já cantou, produziu artistas de MPB e eventos
culturais. Formada em alemão na UFSC, fez parte do corpo editorial da
revista cultural Poité e participa do Clube da Leitura desde os primeiros
encontros - teve um conto publicado na primeira antologia.
Gostei desse texto!
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