O maravilhoso mundo de DRR - Morena Madureira



O maravilhoso mundo de DRR

Como tinha tomado umas e outras na noite anterior, acordar naquele quarto escuro, estranho, repleto de livros espalhados por todos os cantos em princípio não lhe pareceu de todo bizarro. Levantou-se e buscou os óculos, tateando entre revistas, jornais e papéis em branco espalhados pelo chão. Ao finalmente encontrá-los, deu uma boa olhada ao seu redor. Que lugar seria aquele?

Da porta aberta do quarto, um cheiro de café e o som de violinos ao fundo o atraíam para os outros aposentos do que supunha ser um apartamento, e saiu em busca de pistas sobre seu próprio paradeiro. Abotoou a camisa por sobre a camiseta branca, amarrou os sapatos e colocou no bolso direito o bloquinho e a caneta BIC quatro cores que levava aonde quer que fosse.

No corredor, estantes e mais estantes repletas de livros dificultavam a passagem, e notou que em uma delas, os livros eram todos rigorosamente os mesmos. Pegou um deles à mão e leu o título em voz alta: “Tereza que esperava as uvas”.  Ao levantar os olhos do livro, deu de cara com um homem barbudo, como os mesmos óculos de aros dourados, cavanhaque, camisa listrada por cima da camiseta branca e bloquinho no bolso direito que ele mesmo portava.

Assustado e ainda meio zonzo, talvez também de ressaca, largou o livro no chão e desviou-se do seu clone, que, agora notara, também usava o mesmo anel dourado no dedo mínimo que ele orgulhosamente ostentava. Seguiu rumo à sala, mas antes que lá pudesse chegar, ouviu uma voz masculina falar à sua direita.

- Ribas! Daniel Russell Ribas!

Ao virar-se para atender ao chamado, deu de cara com outro sósia seu, mas agora eram dois, vestidos com as mesmas roupas, apesar da camisa ter cores diferentes e da linha divisória do cabelo ser distinta em cada um deles: enquanto um repartia-o ao meio, o outro dividia-o ao lado.

- Permita-me que te apresente Daniel Russell Ribas.
- Esse s-sou eu – balbuciou ele, atônito, ainda que ignorado por seus sinistros interlocutores.
- Daniel, ou melhor, Ribas, que é como ele é conhecido por todo o Rio de Janeiro, é jornalista, revisor, agente literário, tradutor e editor. Já trabalhou na Editora Oito e Meio, produziu pareceres para a Editora Globo... 
- Eu sei de tudo isso, para de falar meu currí...
- Ele esteve à frente de projetos bem interessantes, como o livro “Para Copacabana com Amor” e além disso é um dos grandes nomes do Clube da Leitura, e...
- Para com isso, que porra é essa?

Perturbado, afastou-se trôpego e continuou sua busca pelo cheiro de café e os violinos, imaginou que talvez de onde vinham poderia encontrar um acalanto e a resposta para aquela situação surreal que estava vivendo. Na sala, no entanto, encontrou, para seu desespero, outros cinco sósias distribuídos nos dois sofás que ficavam encostados nas paredes opostas. Cada um deles portava um violino, e era por eles que a melodia que o atraíra até ali era dedilhada. Ao verem que se aproximava, os cinco Danieis Russell Ribas interromperam o que faziam e olharam para ele.

- Certinho, certinho? – cumprimentaram em uníssono.

Desnorteado, tapou os ouvidos com as mãos e seguiu rumo à cozinha, que parecia ser o próximo cômodo por conta do cheiro de café que se intensificava.  Não podia acreditar no que estava vivendo, ficou imaginando se talvez não teria ingerido algum alucinógeno por engano na bebedeira da noite passada, mas não conseguia lembrar de muita coisa.

Ao pisar na cozinha, viu uma mulher de costas passando o café e suspirou aliviado. Finalmente encontrava alguém que não a sua própria figura insanamente repetida. Encheu o pulmão de ar inalando aquele delicioso cheiro e ao expirar, disse à mulher:

- Que cheiro maravilhoso! 

A mulher então virou-se para ele como que em câmera lenta, e para seu desespero, também ela tinha os mesmos óculos de aros dourados, cavanhaque e demais traços de todos os seres com quem cruzara até então.

- Esta é a ideia! – bradou sua cópia feminina, soltando uma gargalhada mortificante.




Conto escrito para o encontro de 23/06/2015



Morena Madureira é daquelas que escolheu o jornalismo e hoje não entende ao certo por quê. Em meio às impermanências da vida, tem certeza apenas da devoção às palavras, sejam elas lidas, escritas ou pronunciadas. Ainda não publicou nenhum livro. Mas também não teve filho nem plantou árvore. Ela acredita que tem muito chão pela frente.

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