Mote do encontro (21/ 07/ 15)
mote lido por Maurício Gouveia
Solidão
“Seu anúncio me chamou muito a atenção. Não pelo
assunto – pois a solidão é bastante comum nesta cidade – mas por sua coragem de
se expor e de tentar solucionar seu problema. Como você procura amigos, gente
pra bater papo e trocar idéias, que tal a gente se conhecer? Eu moro só com
minha filha de dois anos – que é um barato – e gostaria que você me
conhecesse.”
“Você está sofrendo do mesmo mal que eu. Depois que
enviuvei, há três meses, tenho feito todo o possível para livrar-me da solidão
que , a cada dia, é mais abrangente. Nada tenho a oferecer a você, a não ser
meu carinho e minha compreensão. Moro em companhia da filha e do genro. Mesmo
assim sou um solitário.”
“Espero que minha cartinha te ajude um pouco nesta
solidão. Pois sofro deste mesmo mal que é tão horrível, não há mal pior e
palavra tão feia que a solidão. Mas, bola para frente, minha amiga. Vou te
contar um pouco da minha vida, que não tem sido nada fácil. Não tenho família
aqui; só o marido...Não sai comigo, vivo trancada em um apartamento, essas
quatro paredes estão me levando à loucura, já teve dias de pensar até em me
matar. Mas na hora faltou coragem, pois sou muito covarde. Hà anos que vivo
neste sofrimento terrível. Você ainda teve coragem de pôr a público sua
solidão, mas eu não tenho. Solidão é pior que cadeia, solidão só se compara com
o câncer. Vivo muito vazia por dentro e por fora. Mas também eu teria tanta
coisa para transmitir às pessoas! Mas, quando nós precisamos, ninguém nos
escuta, é tão pouca ajuda! Minha amiga, coragem, que depois da tempestade vem a
bonança. Quero ser sua amiga, espero contar com você, mineirinha.”
“Atendendo ao seu apelo publicado pela imprensa
local, aconselho a arrumar um cachorro. Não esqueça, o cachorro é o melhor
amigo do homem.”
“Acabo de ler o seu anúncio em O Estado de São
Paulo. O que é isso, minha cara? Uma cidade tão grande como São Paulo, cheia de
calor humano, vida e alegria, e você coloca-se como solitária? Em verdade,
creio que a única culpada é você, pois basta dar um pouco desta personalidade
forte que tem (visto o seu anúncio) aos outros e verá que não irá faltar-lhe
companhia, seja homem ou mulher. Confesso que fiquei atônito, daí responder-lhe
em seguida. Acredito que lhe está faltando um pouco de orientação , a respeito
de como sobreviver nesta megalópole em que ambos vivemos. Se assim o for,
coloco-me à sua disposição um papo-furado...”
“Quando fui comprar jornal eu estava pensando comigo
que nunca havia sentido falta da família como estava agora. E lendo o jornal,
encontrei seu apelo e me identifiquei com ele. São Paulo é uma cidade
maravilhosa, mas a falta de tempo em que as pessoas são obrigadas a viver faz
com que elas se separem das outras. A solidão hoje começa a me atacar: fui ao
cinema, durante a semana inteira, li vários livros, revistas, jornais, saí com
amigos, mesmo assim nada foi resolvido. Entendo seu problema, vivo com ele. Os
apartamentos nos deixam mais sós ainda. Mas o desespero não leva a nada. Sabe o
que pretendo fazer para sair desta solidão? Participar de excursões de fins de
semana, grupos jovens religiosos, dar meu apoio ao pessoal aflito que vai ao
CVV (Centro de Valorização da Vida), sei lá. Escrevendo, eu também fujo da
solidão, você não acha? Como é o seu nome?...”
“Dia 16 li no jornal o anúncio sobre a “mineirinha
solitária” de Belo Horizonte; assim decidi escrever-lhe. Será que você tem
preconceitos? Pois sou uma garotinha de apenas treze aninhos e pelo fato de não
ter especificado se desejava receber carta só da capital, então me pus a
escrever-lhe. Sempre sonhei residir em cidade grande, igual São Paulo e Rio de
Janeiro. Encantava-me a idéia de curtir: shows, musicais, peças teatrais,
apresentações de balé, feiras de artesanato, torneios esportivos, corridas de
cavalo, palestras sobre política e saúde, praias e especialmente visitar lojas
de alta moda etc. Para mim, São Paulo e Rio de Janeiro eram um sonho, mas
ultimamente tenho percebido desabafos igual ao teu. Começo percebendo que a
vida nas grandes cidades não é o mar de rosas idealizado por mim. Acho que
posso calcular o teu grilo, pois na minha infância estudei interna em colégio
de freiras...muito jovem vi-me sozinha num mundo desconhecido onde tudo parecia
oscilar ao redor. Realmente não é agradável a “famosa solidão” que muitos têm o
privilégio de conhecer...”
MAYRINK, José Maria. Solidão. Porto Alegre, Geração Editorial, 2014.
JOSÉ MARIA MAYRINK é escritor e um dos jornalistas
mais experientes e renomados da imprensa brasileira. Ganhou vários prêmios
nacionais e internacionais, como o Esso de Jornalismo e o Rondon de Reportagem.
Trabalha atualmente no jornal O Estado de S. Paulo.
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