Ausência presente - Guido Brasil
Ausência presente
Uma
breve explicação:
Não,
eu não ando sonhando com você, mas confesso que sempre estou pensando em você
ao deitar – aliás, eu não tenho feito outra coisa; durmo e acordo pensando em
você. Mas tenho os sonhos como lugar de refúgio, nos meus sonhos você nunca
aparece. Então, nem pense em esboçar meio sorriso. Quero somente explicar que
na madrugada da última quarta-feira eu não estava sonhando com você quando acordei
às três e tinta e sete pensando em você, apenas despertei com a possível solução
para ignorar a sua existência. Uma ideia simples, quase boba: escrever esta
carta. Uma carta que jamais será entregue, que nunca será lida, mas que me
servirá como exorcismo.
A carta:
Rio
de Janeiro, 10 de abril de 2015
Nunca
fui de muitos arrependimentos. Posso contar nos dedos as atitudes estúpidas e
desnecessárias que tive na vida. E digo com toda certeza que ter sucumbido ao
seu charme foi uma delas. Você se foi e eu fiquei com a ausência de qualquer
possibilidade romântica entre nós somada aos suspiros que passei a dar ao
pensar em você. A carência nos expõe ao
ridículo. Odeio me ver assim, com as cores da cafonice estampada na cara. Culpa
desse coração Latino. Coração Belchior. Não vivi com você nada que já não tivesse
vivido antes. Nenhuma novidade em acordar numa cama desconhecida após uma festa
qualquer. Mas ainda tenho dúvidas sobre o que aconteceu naquela noite. Talvez
um alinhamento entre estrelas erradas. Talvez eu tenha mudado. Não sei. No
entanto, hoje não consigo trabalhar direito porque desempenho o ridículo papel
de passar o dia olhando discretamente, de canto de olho, sabe?, para o celular
na esperança de encontrar aquela luzinha piscando, sinalizando que tenho uma
mensagem, uma notícia sua me dizendo que você está voltando, que a ideia de
morar em outro país não existe mais, porque você percebeu que nada vai fazer
sentido se for vivido longe de mim. Entendeu o nível da maluquice e da
histeria? Será culpa da idade? Eu aceitaria qualquer manifestação de carinho.
Uma curtida numa foto minha antiga no Facebook, um chaveiro, “Estive em Pindamonhangaba
e lembrei de você”, talhado em madeira. Qualquer coisa, menos esse silêncio. Um
silêncio absolutamente natural. Não existe nenhum motivo para que tenhamos contato.
Nos conhecemos quando você já estava de malas prontas. Mas a sua maldita
gargalhada adorável não sai da minha cabeça. Já tentei de tudo: alinhamento
energético, Ho’oponopono, meditação... só não tentei regressão porque fiquei
com medo de encontrar você por lá, numa outra vida, e não querer voltar. Estou
um tédio. Então, venho por meio desta pedir sossego. Não sei a quem peço, mas
imploro para não continuar com a sua presença. Queria voltar no tempo. Mas
sempre fico na dúvida se volto para não ir àquela festa ou se volto alguns anos
antes para te encontrar e fazer parte do seu futuro.
Talvez
eu esteja precisando de uma despedida. Talvez hoje eu sonhe com você.
Conto
escrito para o encontro de 21/ 07/ 2015
Guido
Brasil é autor do romance "Bizarros e Solitários", lançado em 2014.
Ator e roteirista da web-série "As Ideias de Sr. & Sra. Alguém".
Diretor e roteirista do curta "O Namorado".
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