A cidade - Daniel Russell Ribas
A cidade
O viajante está cansado e resolve entrar. O céu está
embranquecido. O horizonte se esconde em meio à mancha. São edifícios altos e
largos, próximos entre si. Para sua surpresa, o ambiente não é claustrofóbico
como aparenta. O chão é de pedras irregulares e escorregadias, úmidas de lama. Essas
têm a forma de pingos, jotas, pingos acima de letras jota, pinto abaixo de
linhas verticais e tortas. Ele olha mais perto e nota que as habitações possuem
paredes de tijolos. Os pequenos blocos eram em sua maioria adornados com
símbolos da base até onde a vista alcançava, com eventuais interrupções. Resolve
trocar alguns tijolos por pedras e deslocar alguns de lugar. Embora sólido, o
retângulo não está cimentado e se desloca. Há um estrondo e o lugar começa a mudar.
O que era uma casa pequena, discreta e de formato simétrico se torna uma obra
arquitetônica adornada por curvas sinuosas e ângulos retos. Um morador sai de
dentro do local transformado pela influência do estrangeiro.
- Obrigado! Não sabia que a construção podia ficar
assim! Mais ousado, não acha?
O estrangeiro foge apavorado por uma trajetória
retilínea e fecha os olhos.
De repente, abre os olhos e vê uma grande imagem
brilhosa de um homem em meio a um bosque. O sol penetra folhas e provoca
pequenos furos dourados no caminho de terra. Não há vento ou mesmo som. Ele
então se depara com uma avenida lotada de uma metrópole. As pessoas usam roupas
antigas e correm. Nota que parecem estar em fuga e são jovens com cabelos
grandes e roupas sociais. Atrás deles, cavaleiros em armadura, que jogam
frascos esfumaçados e empunham cacetes. No terceiro plano, um desses oficiais
espanca um dos jovens, caído. No canto esquerdo, dois policiais carregam uma
pessoa descordada com uma tinta preta cobrindo o rosto e a camisa. Ele sai
daquele mundo em preto e branco, com medo.
Finalmente, o visitante se depara um lugar parecido
com o seu. Entretanto, as pessoas têm uma fisicalidade exagerada, distorcida.
Os animais também possuem a habilidade da fala e alguns possuem sentimentos
humanos, como ratos e gatos. Olha curioso que eles se comunicam através de
placas suspensas; circulares e retangulares. Como nos outros, o impossível era
real neste ambiente, mas a atmosfera era única com um misto de entusiasmo
juvenil com uma maturidade cartunesca. O visitante fica tonto em meio aos
quadros carregados de informações e desmaia.
Desperta em uma cidade grande. Percebe que os
ambientes estranhos em que esteve eram seus bairros. Há vários deles em zonas
diferenciadas. Nota que se sente à vontade. Aquela variedade de vidas e
experiências o fortalecera e lhe trouxera sensações que preservaria. Cada baque
lhe recarregara as energias e os espantos o fizeram encarar a si mesmo. Retorna
e surge em bairros diferentes desta vez. Incrível como as particularidades de
cada obra resistem apesar de estarem na mesma seção. Permanece em êxtase até
que uma voz surge do alto, como o chamado final para a aventura:
- Amigo, tamos fechando a livraria. Vai levar o livro?
Conto escrito para o encontro de 07/07/2015
Daniel Russell Ribas é membro do “Clube da Leitura”
(http://clubedaleiturarj.blogspot.com.br), que organiza evento quinzenal.
Escreve no blogue “Entre a rua e o meio fio” (http://multiconto.blogspot.com.br/),
em parceria com o poeta Henrique Santos. Colabora como resenhista para o site
“Boletim Leituras”. Mantinha o blogue “Poema Diário”
(http://pordiaumpoema.blogspot.com.br/), em que publicou poesias de autores
diferentes. Organizou as coletâneas “Para Copacabana, com amor” (Ed. Oito e
meio), “A polêmica vida do amor” e “É assim que o mundo acaba”, ambos em
parceira com Flávia Iriarte e publicados pela Oito e meio. Participou como
autor dos livros “Clube da Leitura: modo de usar, vol. 1”, “Lama, antologia 1”
(publicação independente), “Clube da Leitura, volume II”, “Sinistro! 3”, “Ponto
G” (Multifoco), “Caneta, Lente & Pincel” (Ed. Flaneur), “Veredas: panorama
do conto contemporâneo brasileiro” e “Encontros na Estação” (Oito e meio).
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