Cópia - Thales Paradela




Cópia

-  Isso não muda as coisas, são dez centavos cada xerox.
-  Mas se eu vou copiar nada...
-  Então você não quer uma cópia!
-  Quero uma cópia, só que quero copiar o nada!
-  Mas se não tem nada pra copiar, que diabos de cópia seria?
-  Do nada.
-  Mas aí não vai sair nada!
-  Então não serve, eu quero que saia.
-  Mas você não me deu nada...
-  Isso mesmo, pra que você copie este nada!
-  Que diabos é isso? Quer me deixar louco? Eu disse exatamente isso, que não vai sair nada!
-  Mas eu não quero que não saia nada. Eu quero que saia...
-  O quê?
-  O nada, oras... Exatamente como eu te dei pra ser copiado. Está aqui a moeda...ah... pronto, dez centavos!
-  Eu nunca vou aceitar esta moeda, seu moleque. Seria aceitar fazer um serviço que não existe.
-  Mas tá escrito aqui, custa dez centavos a xerox.
-  De alguma coisa, de alguma coisa, seu maluco!
-  Então se for do nada é mais barato?
-  Você tá de brincadeira comigo?
-  Tá bom, eu pago os dez centavos, mesmo sendo uma cópia do nada.
-  Oh maluco, você quer mesmo uma cópia do nada?
-  Ué, mas eu estou tentando explicar isso desde que eu cheguei...
-  Você quer em preto e branco ou colorido?
-  É o mesmo preço?
-  Não, o nada colorido é mais caro!
-  Mais caro quanto?
-  Dez reais?
-  Então me dá o nada em preto e branco mesmo.
-  Meu deus...! eu não estou fazendo isso... Ok, eu faço a cópia do nada e depois você se manda.
-  Finalmente...
-  Só tem uma coisa, pra copiar o nada eu tenho que colocar mais luz na máquina, e isso pode machucar os olhos se você olhar diretamente. Eu vou contar três antes de ligar a máquina, aí você fecha o olho pra não ficar cego. É rapidinho, só tempo da cópia.  Ok?
-  Você avisa?
-  No três... um... dois... três!...
-  Posso?
-  Toma aqui, tá pronto.
-  Mas não tem nada aqui!
-  Vira do outro lado.
-  Ah... isso, o nada! Ficou um pouco claro, tem como tirar outra?
-  Dez centavos!
-  Ah, tá bom. Toma.
-  Menino, põe tua mão aqui, vou fazer uma cópia. Ninguém vai acreditar se eu só contar.
-  Assim, aberta?
-  Isso...espera mais um pouco...ah, ficou perfeita! Essa eu vou guardar nesta pasta aqui...onde?... Ah, aqui embaixo. Quando eu contar que... Ei, menino? Cadê você?

Então correu até a porta da papelaria e olhou todo o corredor da galeria: estava deserta como costumava ficar em dias de chuva. Não, o porteiro estivera ali e não vira ninguém. Engoliu seco, antes de abaixar e pegar a pasta na qual... ué, não havia copiado nada? Levantou os olhos devagar, temendo encontrar alguma coisa, mas só havia a desolação das prateleiras semiabandonadas e mais...nada. Quem ainda precisa de papel crepom roxo? E percorreu lentamente cada prateleira com os olhos, pensando em que tipo de uso aquelas coisas teriam. Papel pardo pra quê? Pra quem? Seu rosto refletia no tampo de vidro do balcão. Olhou-se demoradamente... os olhos cansados da confrontação desviaram para o lado. Havia uma moeda de dez centavos. 

Conto escrito para o encontro de 07/07/2015





Thales Paradela é escritor, dramaturgo, poeta, ator e iluminador cênico. Autor da peça Vivo Demais para Ser Feliz Impunemente, publicada junto com compêndio poético em 2014. Publicou ainda Pedra Curva Tempo. 

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