Espelho da memória - Beatriz Moreira Lima
Espelho da memória
“Continua assim que eu vou pegar a câmera para
filmar”. Congelei. Filmar??? Quem disse que podia filmar? Eu não quero ser
filmada dançando. Não quero ver esse filme. Eu vejo apenas o filme da minha
imaginação. Nele, eu me movo harmoniosamente, no ritmo da música, sensual,
linda, contagiante. É assim que me vejo e quero continuar a me ver. Não quero
filme. Não quero espelho.
Quando há um espelho, desvio o olhar. Não me
reconheço na imagem refletida, quando me vejo, por exemplo, na vitrine de uma
loja ou num espelho de portaria. Não tenho idade. Meu corpo me obedece ou, ao
menos, parece me obedecer. Para quem vê de dentro dele... De fora, não sei. E
não quero saber.
Ele ainda me olha do mesmo jeito. Tá bom, vou ser
sincera, não é do mesmo jeito. Mas, é de um jeito que eu gosto. Sei que ele vê
aquela velha horrível que eu vi outro dia, me espiando no espelho do
restaurante, mas, vê também a jovem pela qual se apaixonou. Pelo menos, é como
eu o vejo. São imagens superpostas.
No espelho do
meu banheiro, também me vejo assim. De relance, a velha costuma aparecer, mas,
quando olho com cuidado, vejo a menina, a moça, a mulher, todas as minhas faces
passadas. Só no espelho do meu banheiro.
Outros espelhos não me conhecem. Não têm memória. Lá vem esse menino com a
filmadora... Será que não entende? Paro de dançar. “Continua, vó! Esse filme
vai bombar...”.
Conto escrito para o encontro de 23/06/2015
Beatriz
Moreira Lima nasceu em 1970, é funcionária pública, mas sempre gostou de
escrever. Teve um filho em 1998, publicou um livro em 2008 (“Tempos Férteis”,
editora 7 Letras) e até 2018 pretende plantar uma árvore para completar a sua
minibiografia. Enquanto isso, frequenta o Clube da Leitura
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