Em terra de buraco ralo todo pinto fino é rei - Maria Leão
Em terra de buraco
ralo todo pinto fino é rei
Era uma vez, em um lugar muito distante, um castelo feito de
pedra e ferro onde morava um rei. Notava-se que tal edificação, em seu aspecto
de forma e função, seguia a imagem e semelhança de seu soberano. Mas como pode
ser possível tal observação se castelo é castelo e rei é rei e não uma maquete
do castelo! A questão é de fácil e complexo entendimento pois é caso que se
permite estabelecer determinado critério para a comparação das partes: a ponte
e o pênis.
A ponte, elemento protuberante do conjunto de edificações do castelo,
responsável pela entrada e saída de pessoas, objetos e coisas.
O pênis, elemento protuberante do conjunto de partes do rei,
responsável pela entrada e saída de pessoas, objetos e coisas.
O fato é que desde o último ataque do exército inimigo, castelo
e rei foram pegos de surpresa e tiveram interrompidos as prestezas no momento
exato de seus atos proeminentes e corriqueiros. Com o baque a ponte ficou içada
na posição de quinze graus nordeste, e o pênis em ereção permanente. Tal
condição foi favorável para impedir o ataque da legião estrangeira ao castelo e
para a segurança do rei, que não lutou. Não liderou seus soldados no combate
aos seus oponentes. Se assim fosse, teria
sua robusta parte como um alvo frágil, e arruinaria toda sua dinastia, já que
não tinha ainda seus herdeiros. Nem sequer uma rainha. Uma vergonha! Os
soldados, liderados pelo capitão da guarda defenderam o castelo e rei. Lutaram
bravamente, muitos morreram nesta função. Jovens rapazes com seus pênis minguados
escondidos dentro de suas armaduras mortos na função. Mas castelo e rei estavam
resguardados!
É difícil entender a função do soldado, morrer com seu pênis
minguado para defender o pênis solto e ereto do rei, talvez seria esta uma disfunção.
Tal condição se arrastou pelos longos quatro meses seguintes ao
ataque dos legionários hostis, fazendo com que os súditos passassem por
diversos tipos de constrangimentos toda vez que se deparavam com a presença do
rei e seu pênis endurecido à quinze graus nordeste, aonde quer que seu norte se
movesse. Chegou a sofrer um desesperado ataque da mãe enlouquecida de um
soldado morto, que segurava ao alto uma faca afiada, na tentativa de extirpar o
pênis do rei. Foi controlada pelos guarda-costas. Pode se dizer guardas-pênis.
E atirada ao rio, cheio de piranhas mortas de fome, pela brecha da ponte ainda
içada. Enquanto era jogada a mulher gritava:
- O do meu filho era maior! O do meu filho era enorme! Grande!
Muito grande!
Os próprios guardas-pênis passaram a atirar olhares sorrateiros
para a ressaltada parte desprotegida do rei. A comparação é inevitável. O que
dirão os retorcidos julgamentos nas mentes silenciosas e doentias no profundo
da noite escura.
Desesperado, com a ponte emperrada, o rei ordena que seu serralheiro
lhe prepare uma nova armadura, onde nela pudesse acomodar sua protuberância em
encaixe oblongo feito de puro aço duro e resistente a qualquer atrito, impacto,
fissuras e machadadas, cuja ponta externa fosse bem afiada de modo a usar o
instrumento como arma letal, em caso de extrema ameaça e que internamente fosse
revestido por um veludo quentinho.
O rei estava pronto. Caminhava com excentricidade pelas vielas
do castelo exibindo sua nova armadura. Olhares curiosos de admiração o
acompanhavam. Mulheres levantavam suas saias oferecendo-lhe suas bucetas
molhadas. Homens mostravam-lhe o cu. Todos riam e aplaudiam o difícil caminhar
de pernas abertas do rei armado. E logo logo a vestimenta tornou-se moda.
Homens e mulheres passaram a usar a exótica armadura. Mulheres com pênis e
homens de pau pequeno passaram a poder se duelarem em igualdade de instrumentos
e a esgrima se tornou o esporte em voga e oficial do reino, só que invés de
espadas usavam a armadura de pênis. A luta passou a ser de um corpo a corpo
mais próximo, sem o afastamento das espadas. Ninguém queria mais tirar a
armadura. Era fabricada para todos os tamanhos, inclusive criança e idosos, que
ficavam felizes em poder duelar novamente. Gemidos de morte. Morrer de uma
enfiada de pênis armado passou a ser a morte mais desejada. O segredo do gozo estava
na frieza do aço. A vida era assegurada pela espessura do aço.
Infalível. De tudo
que a cerca, a vida se protege como um ato inexplicável. Eis que numa bela
manhã o içamento se rompe e a ponte se estende até a outra margem do rio num
estrondo paralisante. Por este acesso aproxima-se uma comitiva com a princesa
prometida, que precavida por seu amado pai, que sabia dos acontecimentos
daquele reino, vestia uma estranha armadura. Na região de sua vagina, havia um
orifício côncavo e oblongo, feito ao molde para a protuberância do rei, com o
mesmo veludo de acolchoamento. Enfim, a felicidade na forma de equilíbrio se
abriu. Rei e rainha honraram as cerimônias tradicionalistas, os reinos ficaram
aliados e fortes e imunes a qualquer legião de fora. No momento de concretizar
as núpcias, tanto o rei como sua rainha se sentiram incapazes de despirem suas
armaduras. Decidiram realizar as convenções assim mesmo. No ato perceberam que
havia um erro nas medidas. O encaixe era impossível. Tentaram de variadas
posições mas na ora do encaixe maco e fêmea, não conseguiam. Levaram o problema
ao serralheiro, que após pensar muito sobre a questão, chegou a uma conclusão. O
orifício côncavo foi feito sem considerar a diferença da espessura do aço das
armaduras do rei e da rainha, que somadas, tornaram-se uma parede ao quadrado.
Outra armadura, naquele momento seria impossível de fabricar, levaria um certo
tempo para adaptação tanto do rei como da rainha, e também tal ajuste seria notório
causando problemas ao equilíbrio de ambos os reinos, chegaram as seguintes
soluções: encontrar um novo rei com o pinto fino ou uma rainha de vagina grande. A notícia se espalhou e
uma nova guerra começou entre os reinos.
Conto
escrito para o encontro de 01/ 09/ 2015
Maria leão
nasceu em Teresópolis, município da Serra Fluminense, em 1964. Formou-se
arquiteta e trabalhou nesta profissão por 20 anos. Em 2009 estudou roteiro
cinematográfico e dramaturgia, a partir deste novo rumo, escreveu dois longas
metragem não filmados, e vários curtas, duas peças teatrais, sendo a de título
Jabuticaba merecedora de uma menção honrosa no Concurso de Dramaturgia do
Instituto Guilherme Coussol em Lisboa no ano de 2013. Publicou em março último
o romance Morangos Selvagens. É sócia idealizadora do hostel A Casa Azul em
Teresópolis e membro do coletivo de artistas Acasos na Casa como dramaturga e
produtora. maria.leao@outlook.com.br
Obtive o imenso prazer em conhecer o trabalho da estimada Maria Leão, seu talento personificado em suas obras, encanta os leitores. Um forte abraço e parabéns pelo sucesso.
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