That´s it - Poliana Paiva
That´s it
Chegou a hora dessa gente desbocada mostrar seu valor. Falar o que
pensa. Desnudar a alma. É preciso mostrar ao mundo quem se é. Porque, de boa,
tá cansativo abrir o facebook e receber convite pra curtir evento onde só tem
foto tua expondo teus filhos e na legenda escrito "amor maior".
Extenuante também é ir às festinhas que você me convida e ter de responder de
hora em hora que nunca engravidei e que isso não faz de mim menos mulher. Chato
ter que ficar provando minha feminilidade o tempo todo. O que você quer? Que eu
tire a roupa, pra exibir minha aparelhagem? Que eu mostre exames ginecológicos?
Porque você bem sabe que sou capaz disso.
Quer saber de outra? Poucas coisas são mais constrangedoras do que
ouvir como foi lindo o filhinho da sobrinha do teu amigo que foi pajem do casamento
da afilhada da tua ex-chefe, que, a propósito, conseguiu engravidar aos
cinquenta anos, depois de gastar dois milhões em inseminação. “-Que bom para o
casal”, sempre digo, pois acho que, se a pessoa quer, ela tem mais é que fazer,
seja filho, bolo de milho ou merda. Tudo é válido. E é exatamente por isso que,
apesar de não estar nem um pouco interessada na cotação mercadológica dos
produtos infantis, escuto, com o máximo de atenção, discussões acaloradas sobre
fraldas, leites em pó e papinhas orgânicas. Pra mim, isso é tolerar o
diferente.
Quer ver outra situação que dá preguiça? Seus amigos me perguntando
se vou congelar os óvulos. “-Não, não vou!”, respondo sempre horrorizada. Você
bem sabe que não congelo nem carne moída. Aliás, cada vez mais penso que, pelo
bem do planeta e da humanidade, carne, pra ser consumida, tem que ser crua,
fresca e humana. É, eu gosto de meninos mais jovens. E, sim, tenho uma lista de
homens que posso procurar quando quero. Porque dou muito. E sempre. E com
vontade. Acredito que é dando que se reflete, que se constrói uma vida melhor,
uma pele melhor, um humor melhor.
Outra coisa: se não falo pra tua mulher que te vi no tinder várias
vezes dando pinta de solteiro, por que motivo você se sente no direito de vir
me catequizar sobre as maravilhas do casamento? Quem é você pra dizer que eu
estaria melhor do que estou se estivesse acompanhada de um cara como você? Quem
é você pra achar que eu estou encalhada? Encalhada é quem não sai do lugar. Eu,
baby, saio. E muito, viu?
Mais uma coisinha: se escrevo o que escrevo e digo o que digo é
porque tenho mãos e língua e porque elas não servem só pra fazer as peripécias
que fiz com você. Claro que adorava teu corpo nu na minha cama, mas você sempre
queria mais, lembra? Mais amor, mais provas, mais privações, mais silêncios. Se
nunca te pedi pra sair da lâmpada, como um gênio, nu e cheio de desejos, por
que você achou que eu faria isso por você? Não sou sua “Jeannie”. Não tô aqui
pra satisfazer tuas vontades. Tô aqui pra ser feliz, pra ser solidária e não
pra ficar com raiva de todas as mulheres que você comeu enquanto estava comigo,
sempre justificando que as vagabundas eram elas.
Saiba que, desde que nos separamos, li muito, estudei muito e sei
muito mais do que você sonhou que eu fosse capaz. Seu problema é achar que só
você é capaz. É dar pala pra essa sociedade falocêntrica, machista e misógina,
que não acredita que posso ser protagonista da minha vida. Pois, pasme,
amoreco, meu roteiro quem tá escrevendo sou eu. Um dia, quando você baixar tua
crista, talvez seja capaz de acompanhar minha história, sem achar que tudo que
faço está ligado a você, ao seu intelecto, à sua conta bancária, aos seus
filhos e à sua incapacidade de dar duas sem tirar de dentro.
Uma vez te disse pra não me provocar, ao que você respondeu, em tom
de deboche, cantando uma música da Rita Lee, que dizia: “Por isso não provoque,
é cor de rosa choque”. Outro dia lembrei disso e tive vontade de te apresentar
outra musa da música brasileira, Karina Bhur, que, no auge da consciência de
gênero, costuma dizer: “Cor de rosa é a cabeça do meu pau”.
Essa é pra você parar de me enviar whatsapp em plena madrugada,
quando estou sendo feliz com outro. Fique feliz você por eu não estar nesse
exato momento encaminhando tua mensagem pra tua mulher.
E saiba, por fim, que o clitóris que ponho na mesa agora nunca mais
vai ser teu. Durma com essa.
Pronto falei.
Conto escrito para o encontro de 01/ 09/ 2015
Poliana Paiva é formada em Cinema pela Uff e em Teatro pela Cal.
Dirigiu e roteirizou 4 curtas, foi roteirista dos programas de auditório
'Esquenta' e 'Papo de Mallandro' e, no momento, escreve seu primeiro longa, uma
série para tv e uma série pra web. Foi publicada em duas coletâneas de novos
autores e selecionada no concurso 'Poema nos ônibus e nos trens', promovido
pela prefeitura de Porto Alegre. Fora isso, integrou as exposições 'Liberte a
literatura' (2012), no Centro Cultural da Justiça Federal e 'Caneta, Lente e
pincel', no subsolo do Monumento a Estácio de Sá (2013) e no foyeur do MAM
(2014). Sua página no facebook, www.facebook.com/romanticuzinhos, tem mais de
20 mil seguidores e a ideia é transformá-la em livro até 2016.
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