Toda mudez será castigada - André Salviano

Toda mudez será castigada


Já tive muitos namorados, mas um em especial me marcou. Eu era muito tímida em matéria de sexo, educação severa, católica. Mesmo depois dos trinta, mesmo já tendo aprendido a ter prazer me masturbando, alguns tabus ainda persistiam, sexo anal era um deles, o outro era falar na hora do sexo. Achava coisa de puta, de mulher sem vergonha, eu não era assim. Até conseguir ficar de quatro se foram dois namoros. Deixar gozar na boca mais três, engolir mais um outro. Tinha trinta e três anos e um filho de seis, quando Marcos apareceu, nos conhecemos através de uma amiga em comum. Me interessei de cara. Bonito, culto, introvertido. Perfeito pra mim. Até o primeiro tapa.

Tá gostando do meu pau enterrado nessa bucetinha?

...

Tá quietinha, não gosto de mulher quietinha, tá ouvindo? (berrou)

Eu ali de olhos fechados, ele metia bem, mas falava muito, eu só gemia, não ia responder, não falo na hora do sexo, aí veio o primeiro tapa, mão direita na face esquerda, não foi forte, mas o suficiente pra me deixar confusa, fiquei com raiva daquele babaca no mesmo instante em que senti mais tesão do que estava antes. Ele percebeu, passou a meter mais devagar, e deu outro tapa, um pouco mais forte, apertei mais aquele pau dentro de mim, gemia, ele pedia pra eu falar, eu não respondia. Bateu com a parte externa da mão na face direita. Comecei a mexer junto com ele, seu pau pulsava, minha buceta o apertava ainda mais.

Você não vai me responder, sua puta? Acho que você gosta de apanhar!

Na verdade eu nunca tinha apanhado antes, um ex até tentou uns tapas na minha bunda enquanto estava de quatro, mas reclamei na hora, não tentou de novo, nem ele nem os outros três que vieram depois. O dia em que eu e Marcos acabamos na cama foi tão sem preparação, tão sem expectativas da minha parte, e agora estava diante de uma situação com a qual eu jamais imaginara passar, apanhar de um homem enquanto transamos. Ele aumentou o ritmo das metidas, e foi ficando mais violento enquanto eu gemia mais e mais sem dizer palavra, sem obedecer aos seus apelos para que o respondesse. Quando gozou, desabou sobre mim, eu o abracei tão forte e o beijei tão gostoso, ele meio sem ar, sorriu e fez carinho onde pouco antes tinha dado uns tapas. Ficamos agarradinhos um tempo nos recuperando, quietinhos, e eu surpresa de estar ali e de ter gostado.

Posso te fazer uma pergunta indiscreta, será que agora que não estamos transando você me responde?

Quem sabe...

Já fez sexo anal?

Eu apenas sorri sem dizer palavra.


Conto escrito para o encontro de 01/ 09/ 2015





André Salviano é formado em Letras pela UFRJ. Já participou de algumas antologias, prosa e poesia, mídia impressa e eletrônica, como o Prêmio UFF de Literatura 2009, categoria conto, e o e-book Não é só por 20 contos (http://www.skoob.com.br/files/ebooks/20-contos.pdf). É um dos fundadores do blogue Confraria dos Trouxas (confrariadostrouxas.com.br), onde escreve todas as terças desde 2010. Admirador da alma feminina. Torcedor do Flamengo. Sempre que pode bate ponto no Maraca. Gosta de suco de melancia e do pôr do sol no Arpoador. Não dispensa um chopinho regado a bom papo. Mora em Laranjeiras, mas vive na Lapa.

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