A cobra (ser)repentista. - Fernando Andrade



A cobra (ser)repentista.


As coisas estão nos seus lugares. Mas os lugares estão nas suas referências?  Ou mais exato, nos seus devidos lugares?
Pergunto isso, pois Pedro que já é masculino de Pedra: um objeto ou lugar? Que não é semanticamente referência para nenhum lugar, pois em nenhuma pedra se marca lugar, pois apesar do tamanho, forma, todas são semelhantemente constituídas. Portanto Pedro andando pela estrada de Marco lira; um caminho onde poetas devaneavam escrevendo em pedaços de guardanapos, horizontes de poemas.
A estrada era de estrelas, sim, nela toda noite estrelas cadentes caiam do Céu imantando a estrada à noite. Portanto para o peregrino à noite, o caminho cintilava, e isto não era uma licença poética. Não, não era.  
Mas Pedro a percorria ao dia, com os olhos abertos, e curiosos. Devaneava talvez algum início de novela que estivesse por manufaturar. Num momento que sua cabeça desenvolvia imagens
Chegou-se na beirada do caminho, Zé Ser.
Bom dia, Senhor andante.
Bom dia, quem é o senhor?
Sou Ser,
Um rastejante que percorre estas bandas em busca de antídoto antes da monotonia. Sou violeiro, toco nas minhas peles que sãos anéis todas as melodias que o senhor possa imaginar.
Sou Ser pertencente à todas as flautas celtas que Pã já tocou.
Toco viola, bandolim, dijeridoo, embora prefira digerir as pequenas notas ou rotas.
Pedro pensou, havia tomado um comprimido de LSD antes de sair da sua pousada.

A que gênero pertence Ser?
Quando mordo meu próprio rabo sou círculo de mim mesmo.
Mas sim, vou lhe responder como uma cobra; Coral. Aquele que está de fundo fazendo vozes coletivas. Sou o gêneros das vozes adjuntas. As que fazem coro não para este estado de coisas, na verdade não dou bote à toa. Só canto na boa.
Ando vendo cobras repentistas que falam como trovadora dos campos. Será que a dose foi elevada, para a criação? Se fosse este recanto um paraíso?
 Diria que sou o ofídio que pôs a marcha da humanidade a descer ladeira à baixo.
Não és Adão, e não vejo Eva, aí contigo. Embora possa parecer que para uma serpente, o eterno retorno, ideia daquele filosofo que adorava cavalos, seja para nós um dilema.
Ficamos com a pecha dos peçonhentos.
Mas peço que reconsidere
Você já viu algum músico com veneno nos lábios?
Só os que não tocam bem...
Por falar nisso...  O que está devaneando ai na sua caixa de ferramentas? 
Umas ideias para uma luta entre o bem e o mal
Ha Há, sei, por que rastejas aos meus pés, amada, minha. Sei que sou um homem concentrado no antídoto do amor caudal.
O que é isso?
Uma estrofe de um verso de uma canção que acabo de fazer para uma letra.
Se já na canção termina toda estória de amor, por que eu um escritor deveria devanear uma narrativa longa, se já senhora, Ser, já botaste em poucas palavras toda gênese do discurso - amoroso.
Sou uma cobra
Obra para todo oboé
Aquilo que abro pela boca
É de fato uma moda- poética.

Conto escrito para o encontro de 15/ 09/ 2015



Fernando Andrade tem 46 anos, é jornalista e poeta. Trabalhou por 10 anos com livreiro e hoje trabalha na Biblioteca Parque Estadual. Participa de dois coletivos : Caneta Lente e Pincel e Clube da Leitura. Escreve para o site Ambrosia resenhas de Literatura. Tem dois livros de poemas lançados pela Editora Oito e meio, “Lacan por Câmeras Cinematográficas” e “Poemometria”.

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