Petrificante - Fernando Andrade
Petrificante
Pensou
que um carro era um cápsula e que toda ideia de compartimento não era parecida
com o espaço interior do carro que o identificava como um autor móvel de sua
própria motricidade. E que por estar talvez protegido do meio circulante o voo
podia ser mais projetivo ao além. Saia à noite sozinho no carro, e beirando a
calçada ia observando o movimento notívago do seres noturnos. Quem o via por fora,
através de um foco pedestre achava-o que procurava uma puta, ou um traficante.
Ali naquele ponto do bairro, o escorrer da roda era vista como uma forma de
busca por prazer ou voyeurismo. Era preciso sair desta posição confortável de
motorista, de um louco motor perpétuo de acento circunspecto. Um monte de
pessoas fumando pedras ali numa loja que era uma pet shop mundo cão. O nome da
loja já vinha com a indexação do nicho do ramo, como uma metáfora do lugar torpe.
Ele desceu o vidro, e observou uma disputa pela pedra, disputa dura que ali se
houvesse uma arma branca, ele seria uma testemunha de um homicídio. Quanto tá a
pedra? Perguntou. Com entrada é mais caro. Tem converte artístico? Os
compartimentos são mínimos, mas dá para entrar e fazer um bom(cal). De quanto é
a cabine? O homem chegou na janela e sorriu. Saiu de casa, largou a esposa e
veio se empedrar, Saia do carro. Não discuto com gente que dá uma de motorista!
Aqui! Berrou é o cimento! Porra! a brita, o piche, merda! a gente se droga moço!
para agulhar-se. Resiliência - você neste seu carro bom, sabe que é ver tudo 24
horas por dia? Ele desceu do carro, e se aproximou do grupo. Estavam lambendo a
pedra e parecia que um pó saia da matéria empedrada para o contato com as
salivas. Olhos dês meios loucos transitavam entre a pedra e o estranho que se
aproximava. Atire a primeira pedra. Era uma voz que vinha de cima. Da janela da
loja da pet shop mundo cão. Atire a segunda, mas antes pergunte se a primeira
já o feriu. Ele chegou mais perto e viu uma clareza na pedra. Era por demais
cristalina. O senhor tem amantes? A voz da janela, agora, inquiria sua vida íntima.
Achou que ali havia um problema semântico. Como alguém? um grupo de moradores
de rua podia comer um pedra preciosa? Tomavam aquilo: um valor estético e
monetário para algo nutritivo e repositor. Lambiam a pedra, passando-a de mão
em mão num ritual litúrgico. E o pó da pedra preciosa dava o “barato” que
necessitavam para ficar ou aguentar o frio da madrugada.
Conto
escrito para o encontro de 09/06/2015
Fernando
Andrade tem 46 anos, é jornalista e poeta. Trabalhou por 10 anos com livreiro e
hoje trabalha na Biblioteca Parque Estadual. Participa de dois coletivos :
Caneta Lente e Pincel e Clube da Leitura. Escreve para o site Ambrosia resenhas
de Literatura. Tem dois livros de poemas lançados pela Editora Oito e meio,
“Lacan por Câmeras Cinematográficas” e “Poemometria”.
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