Persona - Poliana Paiva
Persona
Outro dia conheci uma personagem de Comédia Romântica. Eu, que
até hoje só fiz Drama, achei o maior barato conhecer gente diferente, com uma
vida assim mais tranquila, um futuro mais garantido e coisa e tal.
O que acho mais curioso nas Comédias Românticas é que, mesmo
quando dá uma merda muito grande e o protagonista se fode, nos 10 minutos
finais alguém se redime e tudo dá certo. Até meio certo demais, mas, enfim, o
fato é que eu conheci essa moça da Comédia Romântica. Ela era muito bonita. Bonita
mesmo. Tá certo que ela tinha a cabeça meio grande. Cabeça de quem faz muita
dieta. Sabe quando a pessoa vai ficando tão magra que a cabeça vai ficando um
pouco grande em relação ao resto do corpo? Pois é. Essa personagem era assim.
Cabeçuda. Em outros tempos até poderia
chamar atenção, mas, hoje em dia, definitivamente, isso não importa tanto. A
pessoa pode tá pobre, pode tá sem amor, pode tá doente, pode até ter caído na
malha fina do Imposto de Renda. No entanto, se tiver magra, tudo se ajeita.
Era um domingo, isso eu lembro bem, porque o Aterro tava fechado
e todo mundo pedalava com um sorriso de propaganda de margarina. Estávamos nos
jardins do MAM. Lembro também que tinha muita gente nadando no trecho entre a
Marina da Glória e a Enseada de Botafogo. Todos provavelmente vacinados contra
hepatite B.
E não falo de vacina por mania de doença, não. Eu nem tenho como
ser hipocondríaca. Até hoje só fiz Drama de Época. E nos Dramas de Época, a
realidade é cruel. Personagem que não morre de peste, de infecção, nem de
necrose, é minoria. E essa minoria, naturalmente, não tem tempo de ficar
obcecada com dieta equilibrada. O buraco é mais embaixo. Se der pra procriar,
pra comer e pra trabalhar, o corpo do personagem tá mais que bom.
O caso é que, mesmo sem ser hipocondríaca, acabei perguntando
pra essa personagem minha amiga se ela tava se sentindo bem, se queria comer
alguma coisa. Afinal, ela tava tão magrinha, que era bom um carboidrato, uma
gordura, sei lá. Foi aí que ela sorriu de um jeito meio nervoso e disse que
precisava mesmo era de um cigarro.
Nesse momento, do nada, apareceu a Elke Maravilha dizendo: “-Criança, fumar é feio”.
Até aí eu tava achando tudo normal. Sempre encontro Elke no
Leme. Uma fofa. Inteligentíssima. Libertária. Tudo de bom. Daí Elke pega uma
canga, senta do nosso lado e pergunta: “-Viu se Painho já chegou?”
Aí, sim, achei estranho. Pô, Chacrinha morreu tem tempo e Elke é
uma das pessoas mais lúcidas que conheço. Foi então que comecei a juntar as
peças: primeiro, o povo do sorriso de margarina pedalando. Depois, o pessoal
nadando na baia mais imunda do mundo e, agora, Elke perguntando por
Chacrinha... Minha espinha gelou e tive a certeza: “Puta merda, tô num sonho!”
Não sei quanto a vocês, mas eu não curto nada a ideia de passear
no sonho dos outros. É sempre dor de cabeça. Sempre. Todo mundo se acha
cineasta nessa hora. Todo mundo quer brincar de narrativa, mas ninguém se
importa se os personagens estão cansados, com fome ou com vontade de fumar.
Antes que a coisa piorasse, chamei minha amiga num canto e
disse: “-Amada, isso é uma cilada. É um sonhozinho de quinta e, se a gente não
se ligar, vai ficar aqui por muito tempo aplaudindo por do sol. E o pior: sem
cigarro e sem bebida, que pelo visto a única droga que esse povo consome é
televisão”.
Foi assim que consegui convencer minha mais nova amiga de
infância a evadir do sonho alheio. Foi simples: começamos a cantar uma música
do Ratos de Porão e fomos convidadas a nos retirar.
De volta à realidade, nos despedimos. Fui protagonizar o
nonagésimo remake do “Direito de nascer” e ela foi pro ensaio de “Como perder
um homem em dez dias – Parte 3”.
Agora, se fosse pra voltar pra realidade mesmo, essa que vocês
encaram todo dia, de metrô cheio, neuroses de gaveta e regulagem de cu alheio,
preferia ficar no Aterro, doida de vontade de fumar e ouvindo um bando de
neohippie dizendo “gratidão”.
Conto
escrito para o encontro de 23/06/2015
Poliana Paiva é formada em Cinema pela Uff e em Teatro pela
Cal. Dirigiu e roteirizou 4 curtas, foi roteirista dos programas de auditório
'Esquenta' e 'Papo de Mallandro' e, no momento, escreve seu primeiro
longa, uma série para tv e uma série pra web. Foi publicada em duas coletâneas
de novos autores e selecionada no concurso 'Poema nos ônibus e nos trens',
promovido pela prefeitura de Porto Alegre. Fora isso, integrou as exposições
'Liberte a literatura' (2012), no Centro Cultural da Justiça Federal e 'Caneta,
Lente e pincel', no subsolo do Monumento a Estácio de Sá (2013) e no
foyeur do MAM (2014). Sua página no facebook, www.facebook.com/romanticuzinhos,
tem mais de 20 mil seguidores e a ideia é transformá-la em livro até 2016.
Comentários
Postar um comentário