Mafalda - Tiago Velasco
Mafalda
O
ar-condicionado zune hipnótico. Na cama, o corpo inerte sob o lençol é
perturbado. Quatro patas felpudas caminham, elegantes, sobre as costas dele.
Passarela de pele, tecido adiposo, ossos. Ele se vira de lado. A gata cai sobre
o colchão. As pupilas se dilatam, o rabo balança, vagaroso. Arma o bote.
Novamente sobre ele, equilibra-se na superfície estreita da lateral do corpo semidesperto.
Ele hesita em abrir os olhos: a vitória de Mafalda. O jogo físico e psicológico
pende para a felina. Com a pata, a bichana, canhota, mostra as unhas e puxa o
cabelo dele. Gestos curtos e repetidos. Ele precisa de concentração. Sabe que
está fadado a perder. A gata sente na ponta do bigode que falta pouco. Um golpe
de misericórdia. Ao pé do ouvido: miaaaaau! Miaaaaaaaaau! Ele suspira. As
pálpebras se abrem. A visão míope desfoca Mafalda. Miaaaau! Game over.
Seis e catorze da manhã.
Conto
escrito para o encontro de 13/ 10/ 2015
Tiago
Velasco nasceu em 1980 no Rio de Janeiro. É doutorando em Letras na PUC-Rio,
mestre em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, professor universitário e
jornalista. Autor dos livros de contos Petaluma e Prazer da carne,
além do livro Novas dimensões da cultura do pop. Blog: www.tiagovelasco.wordpress.com.
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