Canteiro - Fernando Andrade



Canteiro


Pai, um canteiro seria uma obra de canto ao ar livre?

Por que nesta colina não há som, claro, se eu pensar em trinados de sábias, pintassilgos, eu teria um canteiro aqui logo quando saiu no alvorecer, de casa, naquela luz bem opaca que parece que não diz - é a transição de uma linguagem, pai, esta veste trocada da noite ao dia?

Pai? Um canteiro, precisa de um jardineiro ou maestro, ou um poeta menor (já servente) para floresce-lo? E eu leitor das manhãs dificultosas que posto a lenha molhada de orvalho no fogão à lenha na matina do dia, eu seria um bom acolhedor de beleza? nesta cantiga de roda, ou melhor já que moro no sopé da serra, da minha roça.

Quando no dia do seu lumiar-se você disse que findar-se era uma obra tatuada. Não entendi muito bem, na hora do seu findo, só quando existem fendas no tempo e no espaço que os nossos sentidos nos bolem bem. Pensei que a caça (t) a tu seria uma metáfora do dentro, (do tatu entocado na toca). Tirar tatu da toca, nunca pensei pai que fosse virar o avesso, estes órgãos tão sanguinolentos; se pudessem vir à luz do dia, não seria um belo assassinato? Pai. Matar seria uma ratazana-ação de dentro, ou então pedir que tudo for se revelando, se estranhando no perceptivo.

Li um dia que a janela vista daqui da casa\ colina é um silêncio peregrino. Que tudo que se move, encobre o murmurar da água-riacho, o farfalhar-folhas ao vento, a brisa que padece de timidez por ser tão pouco invasiva, você já a escutou? daqui da porta, como vem a brisa da tarde; aquela do poente quando a luz falta por deficiência visual. Aquilo pai, é poema natural, é feito de silêncio e falta de palavras evocativas.

Pai, o canteiro eu fiz para seu sepultamento. Para que tu cantasse depois de morto, uma ária já que não temos tanto área aqui, a ausência tira com tudo.  Pai, as letras. Seria tua área, mas o i comeu sua vogal companheira. Como uma interjeição de percepção – i é 

Conto escrito para o encontro de 29/ 09/ 2015



Fernando Andrade tem 46 anos, é jornalista e poeta. Trabalhou por 10 anos com livreiro e hoje trabalha na Biblioteca Parque Estadual. Participa de dois coletivos : Caneta Lente e Pincel e Clube da Leitura. Escreve para o site Ambrosia resenhas de Literatura. Tem dois livros de poemas lançados pela Editora Oito e meio, “Lacan por Câmeras Cinematográficas” e “Poemometria”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos comprar um poeta, por Afonso Cruz

Homens não choram

Cultura: uma visão antropológica, de Sidney W. Mintz