Crespas - Daniela Ribeiro

Glorinha tinha o cabelo da dinda, só que mais abundante. Pudera: aos oito anos de idade, tudo em seu organismo caminhava para o mais, para o desabrochar, para o auge. Sua madrinha, tecnicamente já na meia-idade, confrontava-se com os primeiros sinais evidentes de envelhecimento. Mais especificamente, com a rarefação de suas madeixas.
Ambas eram descendentes do biso, um galã dos anos 30 que exibia uma vasta cabeleira sempre elogiada e comparada à de um movie star.
Ambas eram descendentes da Tia Amália, que tinha o cabelo ralinho, ralinho, mas uma lucidez perfurante; um coração de ouro e uma obstinação de ferro.
Intermediando as gerações, havia Wilma, avó da pequena e mãe da segunda. Loura de nascença, desde que os hormônios lhe subiram, alisa o cabelo para esconder o crespo de seus antepassados mais que mestiços.
Glorinha confiava em sua tia; pedia a ela que penteasse seus cabelos para que não embaraçassem. "Dinda, quando eu brinco muito, meu cabelo fica parecendo um Bombril!"

Enquanto Wilma receitava incessantemente cremes e mais cremes para que os cabelos de Glorinha ficassem lisos, a madrinha lhe dizia: "Assuma, Glorinha, somos lindas de qualquer maneira."


Leitura por Késia Decoté




Formada em Jornalismo pela ECO/UFRJ em 92, Daniela (Ribeiro) passou por algumas redações até virar executiva da indústria cultural. Fundou a produtora/distribuidora Iaiá Filmes, virou professora de inglês/francês/português, revisa, traduz e legenda trabalhos acadêmicos, livros e filmes. Escreve irregularmente desde cedo, mas foi a partir do Clube da Leitura encontrou apoio para mostrar sua produção.



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