O apanhador de desperdícios, por Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios. Não gosto das palavras fatigadas de informar. Dou mais respeito às que vivem de
barriga no chão tipo água, pedra, sapo.
Entendo bem o sotaque das águas. Dou respeito às coisas desimportantes e aos seres desimportantes. Prezo insetos mais que aviões. Prezo a velocidade das tartarugas mais que a dos mísseis. Tenho em mim um atraso de nascença. Eu
fui aparelhado para gostar de
passarinhos. Tenho abundância de ser
feliz por isso. Meu quintal é maior do
que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios: amo os restos, como
as boas moscas. Queria que a minha voz
tivesse um formato de canto. Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática. Só uso a palavra para compor meus silêncios.

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