Buraco Negro, de Guilherme Preger
Dizem que num buraco negro o
tempo não passa. E eu imagino um relógio digital piscando esta mesma hora, este
mesmo minuto, este agora: 23h 11’ 11’’. Não adianta se perguntar há quanto
tempo estamos nessa pegada, juntos, enganchados, colados e suados. A hora é a
mesma de sempre: 23h 11’ 11’’.
Qual o calor que faz? Não sei.
Chove ou é noite clara? Não sei. A lua é crescente, minguante ou é lua nova?
Não sei. Eu sei apenas que a glande de meu pau descansa em algum canto da
mucosa de sua vagina. Estamos imobilizados e nem sequer fazemos os movimentos
típicos esperados de dois corpos que se encontraram com fome. Nós somos agora
um buraco negro.
Para além de nossa pele, das
membranas que se uniram e que agora se acoplaram numa superfície contínua, há
talvez um mundo. Minha memória diz: havia um mundo. Talvez diga: haverá um
mundo. Esse mundo é para onde o suor de nossos corpos se esvai. Dizem que os
buracos negros engolem toda matéria e toda luz, mas exalam uma fumacinha. Essa
fumacinha é o desfazer-se do buraco negro. O buraco negro deverá se desmanchar
em alguns bilhões de anos. Mas esses bilhões de anos serão como se passasse
apenas um instante para um buraco negro. Por isso, todo buraco negro não dura
mais do que um instante, segundo seus próprios critérios.
E dizem também que o universo
inteiro veio de um buraco negro que perdeu sua consistência. O universo é
apenas a fumacinha do buraco negro.
Nós somos agora este buraco negro
e este é o instante de nossa eternidade. E me dou conta que estamos totalmente
juntos, colados, grudados, enganchados, meu-pau-na-sua-boceta, os dois em apenas
UM, o UM absolutamente UM; mas não consigo vê-la, olhar para ela, e ela talvez
não consiga olhar para mim, pois não há como o UM olhar a si próprio, o UM não
tem distância, o buraco negro não tem intervalo.
Mas eu quero olhá-la e para isso
preciso abrir um buraco dentro do buraco, um buraco negro dentro de outro
buraco negro. Mas tenho medo de fazer um movimento e cortar o instante,
produzir o dois, afastar e gerar um descolamento, e do descolamento abrir um
espaço, uma distância e daí universo, com todo seu espaço-tempo.
Eu sei que fatalmente isso
acontecerá. Fatalmente um universo será formado de nossa fumacinha, um universo
entre outros de um imponderável multiverso. Porque se nosso encontro foi um
acaso absoluto, se não havia nenhuma razão para estar aqui&agora, a não ser
a oportunidade do encontro, então, de nosso desgrude um universo se bifurcará,
algo que poderia não ter acontecido, mas aconteceu, um irreversível.
Será que o nome desse
irreversível é: amor? O amor é o nome dado a essa história que depois de nosso
desgrude irreversivelmente acontecerá? Algo como a dizer: não é possível
esquecer que houve um encontro.
Por que mal sei seu nome e duvido
que ela saiba o meu. Ela me disse, mas me esqueci. É como se houvesse uma
barreira temporal: Esse instante é um cruzamento que barra todo conhecimento do
passado. Há apenas imagens esparsas que se desfazem: nós numa roda de amigos
num botequim pé-sujo, depois nos levantamos para fumar um baseado e ficamos
contando histórias e depois, na hora de ir embora, ela dizendo que queria
conhecer meu apartamento e eu respondendo ingenuamente sem malícia que estava
programando um cineclube e ela me dizendo simplesmente: eu quero conhecer
agora.
Mas isso teria sido talvez em
algum passado imaginário, um fantasma que simplesmente criei para me convencer
de que estou aqui com ela, meu pau-dentro-da-boceta-dela. Para mentir para mim
mesmo que somos UM. Para me iludir de que somos um buraco negro, metáfora
oportuna, mas ridiculamente intelectual. Ela me dirá: e a minha história, você
quer ouvir? Os meus pensamentos? A sensação na mucosa de minha vagina, você
quer que eu te diga como é que é? Você é apenas um narcisista como todos os
homens que eu conheci. Quer saber: eu também sou um buraco negro!
Mas não foi isso que ela disse.
Na verdade, não sei se ela falou alguma coisa, se apenas rosnou, miou, grunhiu.
Se chorou ou se bocejou. Talvez tenha dito: estou confusa. Talvez tenha dito
qualquer coisa, tenha contado a história da vida dela. Para ter certeza de
alguma coisa apenas olhei para o relógio digital na escrivaninha. Ele marca 23h
11’ 11’’.
(Conto lido no encontro de 05/06/2018, baseado no mote 10:04 de Ben Lerner)
Guilherme Preger é observador de buracos negros
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