Só Garotos, por Patty Smith
No ano seguinte, meu pai nos levou para uma rara excursão ao Museu
de Arte de Filadélfia. Meus pais trabalhavam duro, e levar quatro
crianças de ônibus até Filadélfia era algo exaustivo e caro. Foi
o único passeio que fizemos com a família toda, marcando a primeira
vez em que fiquei cara a cara com a arte. Senti uma espécie de
identificação física com os esguios e lânguidos Modigliani;
fiquei comovida com os temas elegantes e tranquilos de Sargent e
Thomas Eakins; ofuscada com a luz que emanava dos impressionistas.
Mas foram as obras de uma sala dedicada a Picasso, dos arlequins ao
cubismo, que me penetraram mais fundo. Sua confiança brutal me
deixou sem fôlego.
Meu pai admirou o virtuosismo do desenho e o simbolismo das obras de
Salvador Dalí, mas não viu nenhum mérito em Picasso, o que levou à
nossa primeira desavença séria. Minha mãe ficou ocupada cercando
meus irmãos, que deslizavam pelo piso liso de mármore. Tenho
certeza de que, enquanto descíamos a grande escadaria, eu parecia
ser a mesma de sempre, uma menina embasbacada de doze anos, toda
braços e pernas. Mas secretamente eu sabia que havia sido
transformada, comovida pela revelação de que os seres humanos
criavam arte, de que ser artista era ver o que os outros não
conseguiam ver.
(Mote lido do Marcio Couto para o encontro de 01/11/2016)
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