CARTA ABERTA A ANDREA, por Poliana Paiva
Estudamos juntas e juntas fomos aos shows do Menudo do
Tremendo da Blitz do Tim Maia. Pedíamos mão de pipoca no circo voador porque
não tínhamos grana pra nenhuma guloseima. Tudo que não fosse a cervejinha -
pésima, diga-se de passagem, mas que naquela época descia maravilhosamente bem,
afinal, era cerveja - para nós era superfluo.
A vida foi nos separando naturalmente, cada uma prum
canto. Não tinha facebook, celular, bipe nem nada, só tinha mesmo o obsoleto
aparelho fixo, hoje responsável somente por telefonemas para os mais idosos,
ligações de bandidos afirmando estar de posse de sua filha e telemarketing de
quinta categoria. Mas, há 25 anos, o telefone era particularmente importante,
pois foi justamente através dele que eu soube como você, minha querida Andrea,
a quem não via há um ano, estava passando. Cheguei em casa depois da aula de
jazz - por jazz, leia-se dança praticada com polainas, collants cavados e
sapatilhas, quase sempre ao som de Frankie goes to Hollywood - e vi um bilhetinho
que informava que você estava muito doente e que bom seria se eu fosse te ver
logo. Sua mãe deixou o recado. Não dormi a porra da noite toda. Você durou
quatro meses e, em todo esse tempo, fui te visitar duas vezes apenas. Lembro de
algumas amigas em comum ligando dizendo que tínhamos pouco tempo pra nos
despedir e que não dava pra esperar tanto entre uma visita e outra. Mas eu as
enganava - e a mim mesma, naturalmente - dizendo que na semana que vem, depois
das provas, eu daria um jeitinho.
Passou-se um ano e recebo outra ligação de sua mãe, a
danada tinha encontrado um cartão que você esqueceu de me mandar, datado do
natal do ano anterior de sua partida, onde estava escrito: “Por mais que a
gente cresça, seremos sempre aquelas meninas comendo sufflair no banco
da Praça Afonso Pena, olhando os meninos bonitos que passam.”
Outro dia voltei à Afonso Pena, onde até hoje moram
meus pais. Comprei um sufflair e comi em sua homenagem, mas preciso que você
saiba, amiga, os meninos bonitos cresceram e você não gostaria de ver no que
eles se transformaram. Enquanto comia o sufflair - uma novidade
estonteante naquelas priscas eras, lembrei que gostávamos dele porque tinha ar
dentro. Ser aerado naquele tempo era uma coisa muito avant garde prum
mero chocolate.
Aerado é o que tem ar dentro.
Talvez ali morasse todo o simbolismo de nossa amizade.
O vento é feito de ar. A vida é sopro. E foi muito bom nossos sopros terem se
cruzado por 21 anos.
Acho que ali me perdoei por não ter ido te ver mais
vezes quando estavas partindo.
O perdão mais difícil é da gente com a gente mesmo.
Obrigada, amiga.
PS: Troquei a Praça Afonso Pena pela São Salvador,
que, a propósito, está na boca do povo. Mas isso te conto depois.
(Conto vencedor do encontro de 04/10/2016)
Poliana Paiva é formada em Cinema pela UFF e em Teatro pela CAL. Roteirista e atriz, já fez programas de auditório, de revista e de ficção, além de ter escrito e dirigido 4 curtas. Tem um canal no Youtube 'Tudo sobre Jasmine', onde escreve, atua e dirige. Há alguns meses, vem fazendo participações em esquetes do Porta dos Fundos.
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