O rabo da neguinha - Cláudio PS



O rabo da neguinha


A mulher não quer simplesmente dar. A mulher não quer ser usada, Carlos. Ela quer gozar, Carlos. Gozar entende? Aí você vem com o papo de que era uma variação das brincadeiras da cama. Por que sexo é o brinquedo. O brinquedo natural. Homens e mulheres nascem com as peças de encaixar.
Afinal, o que é importante, Carlos? Além do necessário, morar, se alimentar, vestir, cuidar da saúde, acreditar em Deus? - Não sei, Márcia. Ele respondendo isso deitado na cama folheando uma revista semanal. 

- Você sabe, Carlos, sabe sim. Respeito, Carlos. Que Você me respeite! Quer um rabo? Procure uma neguinha na rua! Eu sei, você me enganou uma vez dizendo que “escorregou pra lá” e só parou por que a campainha tocou e eram aqueles malditos crentes falando do fim do mundo e aquela coisa de se arrepender. Você foi e as duas senhoras saíram correndo quando você abriu a porta e viram você pelado com o pau duro pra fora com bosta na ponta, rindo cinicamente. - Eu estava fazendo sexo com você Márcia, o que queria? Que eu tomasse um banho de três minutos? Limpasse o pau na cortina e fosse atender a porta? Lembra que você riu, imaginando a cara delas? Ora, danem-se as crentes! Eu estava dentro da minha casa, do meu quarto transando, Márcia. A vida é real, Márcia. Trabalho, ônibus, escritório, dinheiro, cartão de crédito, contas, dores de cabeça. Tesão e falta de tesão. Ansiedade e algumas vezes inércia.  Aonde você botou o bendito copo com meu drink, Márcia? Ela não respondeu, até por que não sabia mesmo.

Ele largou a revista, achou o copo ao lado da televisão, virou o Martini de uma vez só, se vestiu, t-shirt, bermuda, chinelo, e enquanto Márcia chorava baixinho ele caminhou para fora do quarto. Do corredor ouviu-a gritar: - Aonde você vai? - No posto, comprar cigarros e ver se tem alguma neguinha na rua. - Filho da puta! - Ué, agora sou filho da puta? O que você sugeriu, Márcia, meu amor?

Márcia, com olhos vermelhos virou-se, pôs a cabeça entre os travesseiros, camiseta regata, calcinha florida. Não fazia muito calor, apesar de ser outubro.

Carlos parou na porta do posto vinte e quatro horas e ficou olhando ao longo da avenida transversal. Ninguém. Era como se a avenida fosse uma pintura, daquelas como cenário de filme. O largo, o ponto de ônibus, as baratas na calçada suja. Madrugada e neblina.

Comprou dois maços, duas latas de cerveja e pensou em caminhar até a praça. Ponto de travestis do bairro. Andou três quadras, a metade do caminho e desistiu. Posso ser assaltado há essa hora. “E também nunca “peguei um ¨traveco”, não vou começar agora”. Voltou.

Mas não quero voltar pra casa agora, não quero ver Márcia chorando, não quero transar, não quero dormir. Fumar e pensar. Parou em frente a uma farmácia. Funcionários sonâmbulos. Acendeu um cigarro e ficou olhando novamente para a avenida. Nada acontecia. Quando de repente surge uma mulher, devia ter uns vinte anos. - Me arruma um cigarro? - Claro. Ele acende. - Não quer fazer uma brincadeirinha ali no beco? - Que brincadeirinha? - Um boquete por vinte reais. - Não, quero seu rabo. - O rabo eu não dou. - Então rala, garota. - Grosso, filho da puta. 

E se ela dissesse: O rabo é quarenta, cinquenta? Nunca saberemos. O que sabemos é que pela segunda vez no mesmo dia era chamado de filho da puta. 

Bebeu sofregamente a primeira lata em duas etapas, se engasgou, tossiu, abriu a segunda lata. Vou ter que voltar pra casa. É como indulto de Natal. Voltar para a prisão. Encontrou Márcia dormindo de bruços. Beijo-a na cabeça, ela roncava. Mas na verdade ela fingia.

- E aí, comeu o rabo de alguma neguinha? Ele se assustou. - Por que demorou, desgraçado? - Eu demorei? Comprei cigarros, cerveja, andei um pouco e voltei! - Mentira, você está com cara de que fez sacanagem, ainda com bafo de cerveja.

(Puta que pariu, pensou, antes tivesse feito...) – “Não, Márcia, não fiz.”.

Você é tarado, Carlos, não acredito. Ele fica em silêncio. Márcia se levanta, vai ao banheiro, toma um Lexotan e volta. Carlos está fumando na janela, bebendo Martini, lembrando da pintura que era a rua, e da garota do “não boquete”. Márcia quase desmaiando se pôs ao lado dele e perguntou de novo: comeu ou não comeu o rabo de uma neguinha na rua? Ele virou-se para ela e perguntou: Se eu disser a verdade você não vai me odiar?


Conto escrito para o encontro de 27/ 10/ 2015





Cláudio PS acredita que sabe escrever desde que tirou 10 em redação na oitava série.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos comprar um poeta, por Afonso Cruz

Homens não choram

Cultura: uma visão antropológica, de Sidney W. Mintz