A Cereja do Bolo - Gustavo de Souza



A Cereja do Bolo


- “Damião não tem no cú o que a periquita roa, minha filha” – ela disse, quando Nana de preparava para sair. – “Você arrumava coisa melhor”.

- “Você não sabe de nada, madrinha.” - respondeu Nana, mandando um beijo e fechando a porta. É verdade que Damião não tinha onde cair morto, nem ambição que pudesse modificar a sua situação no mundo. Só que Nana era mulher de um outro tempo. Jamais aceitaria ser sustentada por homem nenhum. Apesar de jovem, ela ganhava bem e parecia que iria atravessar a crise sem muitos sobressaltos. Fizera as escolhas certas. Gostava de dormir na casa de Damião, que na verdade era uma parte de casa em Santa Tereza. Aquele contraste da vida lenta do alto com o mundo corporativo lá embaixo onde ela passava seus dias, lhe fazia muito bem. Além disso, Damião era uma caixinha de surpresas. Quem o visse nas roupas alternativas que ele usava não conseguia imaginar o corpo que elas escondiam. Magrinho de dar dó, ele era na verdade um falso magro, com a musculatura definida pela Ioga, praticamente sem gordura, graças à macrobiótica. Fazia um sexo ótimo, bastante criativo e, a cereja do bolo, nunca tinha pedido pra bater bola atrás do gol. Sim, por que isso para Nana era fundamental. Era uma resolução de vida. Nunca se envolveria afetivamente com um homem que gostasse de cú. Para ela, homem que gosta de cú, mijou sentado e não é sapo, tá comendo. Cú é cú. As amigas riam muito e diziam que ela era louca. Não ligava. Era assim e pronto. Naquele sábado, depois do almoço com a madrinha, foi à casa de Damião e como ele não atendeu a porta, usou sua chave e entrou. Nenhum barulho. Foi até o quarto. A porta estava fechada. Abriu. O quarto estava escuro. Ouviu a respiração de Damião. Foi até a janela e abriu as cortinas. Damião estava só, dormindo de bruços, totalmente nu. O sol da tarde entrava enviesado no quarto e lhe iluminava em cheio, a bunda. Nana observou a cena por alguns instantes. Achou a bunda de Damião  tão linda, tão branquinha, tão lisinha, que parecia uma bundinha de menina. Ela sentiu vontade de ter um pau enorme para enrabar Damião bem ali, naquele momento e isso lhe deu um tesão que ela desconhecia. E um medo, quase um horror, não sabia bem do que, que fazia o tesão aumentar ainda mais.Ela estremeceu. Tirou a roupa e deitou-se sobre ele, que despertou sem sobressalto. Se amaram como nunca antes, pelo resto da tarde.

A relação com Damião não durou muito mais tempo. Ele achou que ela estava ficando coxinha demais e a trocou por uma dançarina burlesca moderninha que morava no Catumbi. Seguiu pela vida sem ter no cú o que a periquita roa, mas dentro do possível, feliz. Nana precisou de mais ou menos uns dez anos de análise para fazer sentido daquilo tudo que se misturava dentro dela. Mais precisamente, foi só quando conheceu Karina, que era divorciada e tinha dois filhos. Foram morar juntas e Nana sentiu-se finalmente feliz, sem medo.


Conto escrito para o encontro de 27/ 10/ 2015




Engenheiro de Produção, amante inconstante e infiel da literatura, publicou um conto numa coletanea organizada por concurso pelo Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro em 1999.

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