O croquete - Walter Macedo Filho



O croquete


Marcos chega em casa no fim do dia, entra e joga a chave sobre o móvel, ao lado da porta. Juliana, concentrada, olha fixo para a tela do laptop, sentada na mesa da sala, de costas para a entrada. Marcos se aproxima e curva-se para beijar-lhe o cabelo. Rapidamente ela vira o rosto para cima e beija sua boca. Num relance, Marcos, apreensivo, ergue-se e sai caminhando na direção da cozinha. Juliana olha para trás com cara de dúvida.

-           Que cheiro é esse?

-           O quê?

-           É buceta!

-           Que é isso? – Marcos responde indignado.

-           Sua boca está com cheiro de buceta!

-           Cê tá maluca?

-           Vem aqui.

-           Pare com isso.

-           Cafajeste. Deixa eu cheirar seu bigode.

-           Pra quê?

-           Quero ver se é buceta.

-           Deve ser o croquete.

-           Que croquete?

-           Que eu comi agora há pouco.

-           Não inventa.

-           Então tá, cheira.

Devagar, Marcos aproxima a boca do rosto de Juliana, que encosta o nariz em seu bigode.

-           É buceta!

-           Que buceta nada. É croquete!

-           Mentiroso.

-           Como você sabe que é buceta?

-           Eu tenho uma.

-           E daí? Existem bucetas e bucetas.

Os lábios de Juliana tremem. Ela faz uma careta e cai no choro.

-           Nunca imaginei. Seu traidor.

-           Eu juro.

-           Pela sua mãe?

-           Pela minha mãe, por tudo o que você quiser.

-           Então vai comprar um croquete agora. Quero sentir o cheiro.

-           Tá doida? Comi no centro, quando saí do escritório.

Juliana debruça sobre a mesa e volta a chorar copiosamente. Marcos a abraça por trás e beija sua nuca.

-           Ô, amor...

-           Jura mesmo?

-           Claro. Buceta pra mim, só a sua... e da minha mãe.

-           Como assim?

-           Eu saí de lá.

Juliana enxuga as lágrimas e esboça um sorriso contido.

-           Canalha.

-           Vou tomar um banho.

-           Posso confiar?

-           Eu juro.

Marcos vai para o banheiro, fecha a porta, liga o chuveiro, pega o telefone celular e digita. Alguém atende e Marcos fala baixo e ríspido.

-           Alô, Vitor? Seu filho da puta. Onde você andou enfiando o seu pau hoje?


Conto escrito para o encontro de 27/ 10/ 2015




Walter Macedo Filho é dramaturgo, jornalista, roteirista, escritor e gestor cultural. Integrou o Círculo de Dramaturgia do Centro de Pesquisa Teatral, coordenado por Antunes Filho. Como gestor cultural, atuou no SESC São Paulo, Arena Carioca Dicró, Biblioteca Parque Estadual e Instituto Augusto Boal. Publicou seu primeiro livro de contos, Nebulosos, pela Editora 7Letras. Atualmente escreve o roteiro para o novo filme do diretor Paulo Thiago após ter desenvolvido o argumento.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Vamos comprar um poeta, por Afonso Cruz

Homens não choram

Cultura: uma visão antropológica, de Sidney W. Mintz