Confinados, por Guilherme Preger

Confinados



    Pá-pá-pá-pá-pá-pá-pá.

    Contei sete estocadas e logo depois veio o grunhido e a prostração. Tão previsível. Nem senti a bolsa de látex no interior de minha vagina se encher de esperma. Seria tão bom que fosse como antigamente, sem caminsinha, e sentir o líquido quente se espalhar no meu interior. Será que depois da pandemia todos se beijariam apenas com máscaras de látex, assim como se transa? Acho pior beijar de látex do que trepar de camisinha. 

    Então eu tinha cumprido o desejo. No caso, o dele. Eu mesmo havia contado a ele que na noite anterior tinha ouvido o casal de vizinhos abaixo trepando enquanto ele roncava ao meu lado. Como você sabe que estavam trepando, ele se mostrou imediatamente curioso. Pelas estocadas e pelos gemidos, respondi. Poxa, você nem me acordou: ele ficou chateado. Eu queria ouvir a foda também, disse então, fazendo aquele gesto obsceno com as mãos, uma socando a outra, como um murro, uma "paulada". E me perguntou: você se masturbou na hora? 

    Tão previsível ele perguntar isso. Por que isso interessava a ele? A siririca é minha. Você estava dormindo, pateticamente dormindo. O que tem a ver com isso? E me surpreendi com  minha agressividade. Será que ele realmente se masturbaria ao meu lado com o casal de vizinhos transando, ou quereria então começar um jogo entre nós mesmos? E eu me masturbaria ou começaria uma transa? Não sei. Estou confusa. 

    E foi então que começou o barulhaço, janelaço, apitaço, panelaço, todas essas palavras com que chamavam o ritual de asco político de todas as noites, às 20:30 pontualmente. 

    Então ele saiu rapidamente da cama, retirando aquele ridículo saquinho de porra com a mão, indo no banheiro para jogá-lo na lixeira, demorando um pouco para limpar aquele pinto melado e voltou para o quarto, ainda inteiramente nu, pegou sua flauta indígena, como fazia todas as noites, e foi na janela soprá-la como um índio selvagem, ele que de selvagem não tinha nada. E eu fiquei ali na cama abaixo das cobertas o vendo gritar: "Vai tomar no cu, Bozo!". Eu tinha dito para ele não falar aquilo, pois um amigo gay tinha dito que era uma ofensa aos homossexuais, mas ele não queria nem saber, dizia que aquilo era censura do movimento "identitário", que ele chamava assim mesmo, fazendo aspas com a mão. Gritava e tocava sua flauta com fúria e eu o via com aquele pinto mole como uma flor murcha balançando entre suas pernas, os seus bagos como uvas roxas grandes completamente enrugadas e aquela flauta de madeira na boca, como se ela fosse seu verdadeiro pau, a flauta rígida, grande, ereta. Ele soprava aquele instrumento com a força que não tinha para suas estocadas e o ar que saía de seus pulmões vinha com a pressão que faltava em sua porra quando ejaculava. 

    Tão previsível. Ele gostava de se exibir nu na janela. Outro dia tinha me dito que uma vizinha do prédio em frente o havia espiado com o binóculo enquanto pegava seu "solzinho", pela janela lateral do quarto. Aquilo o excitava. Mas agora, já tinha esquecido a trepada. Tinha me esquecido na cama, esquecido que eu também queria gozar, ejacular, tremer, balançar e depois prostrar, suspirar, descansar, dormir, sonhar bem. Tão previsível aquilo tudo. O panelaço, a flauta, o pinto mole balançando enquanto ele berrava, e os bagos enrugados como uvas grandes e roxas. Eles só tinham transado porque ela tinha contado aquela história dos vizinhos. Ele não tinha ficado realmente excitado. Ele tinha ficado "mordido", ciumento, com sua "masculinidade-hetero" ofendida. Ele queria mostrar que também era capaz de dar aquelas estocadas. Não tinha nada a ver com tesão, desejo, era só inveja mesmo. Freud estava muito errado: apenas homens têm inveja do pênis. Inveja do Pau Duro. 

    E passaram aqueles dez minutos de praxe de barulhaço, e seu olhar inocente retornou à cama. Deixou sua potente flauta de lado, e agora estava de frente, inteiramente nu, de frente para a mulher que agora estava com o corpo embaixo das cobertas. O homem nu e a dama pudica. Eu imaginei: agora ele irá puxar violentamente as cobertas para deixar meu corpo nu à mostra, e seu pau irá ficar novamente duro como uma flauta indígena feita com madeira de lei, e ele meterá suas mãos firmes em minhas coxas, as afastando, e vai colocar o seu rosto no meio delas, e aspirar o odor ainda quente daquela região úmida, e eu sentiria sua respiração ofegante passar como uma brisa quente entre meus grandes lábios, e em seguida viria sua língua pontuda abrindo caminho entre meus pequenos lábios, procurando a erupção de meu clitóris, e então o massagearia com cuidado, sem uma gota sequer de saliva, apenas a ponta da língua sequinha roçando no cume pedregoso de meu clitóris, e eu iria jogar minha cabeça pra trás e iria pensar que o casal vizinho estaria então escutando meus arfares, meus gemidos e meus uivos. E depois viriam as estocadas, que não seriam mais as dele, mas os meus saltos, como se domando um animal selvagem, mas gradualmente rendido, meio assustado até, e os saltos empurrariam a cama pelo quarto, ela se chocando contra as paredes, contra as janelas, como se quisesse voar para fora do quarto. 

    Onde deixei a calça do pijama, foi o que ele me perguntou. Eu joguei a calça que estava embaixo do travesseiro para ele com raiva, o acertando no rosto. 

    O que foi que aconteceu, ele perguntou? Está com raiva de quê? E então deu uma gargalhada e me disse: Puxa, como você é previsível, mulher.  

Guilherme Preger é escritor de verdade

Conto escrito para o encontro de 05 de maio de 2020 baseado no texto Nausicaa de Homero



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