O número três implica caos


O combinado era de que seríamos três. Um, o outro e um terceiro.
E o terceiro não seria a simples adição ou a complexa multiplicação dos outros dois. Pois um mais um dá dois; e um vezes um dá um.
O terceiro seria um ente autônomo, com suas necessidades e desejos diferentes das necessidades de nós outros.
Dizem que o número três é mágico. Falam no poder da Santíssima Trindade. Falam da complexidade da dialética hegeliana: tese, antítese, síntese. E o corpo: cabeça, tronco e membros.
No nosso caso, seria simples assim: o um, o dois e o três.
Como num triângulo, nem isósceles nem equilátero, um triângulo irregular. Cada lado com seu comprimento.
Cada um de nós estava num vértice. E cada um via sempre o segundo e o terceiro.
O terceiro deveria ser o produto de nossas ações, o resultado de nosso encontro, mas a verdade é que aos poucos cada um de nós dois começou a ser definido, ou determinado pelo terceiro.
O terceiro parecia não ter vindo depois, mas antes. Foi o terceiro que determinou que um dia nos encontraríamos.
E o problema passou a ser este: nunca estávamos sozinhos. Quando o outro não estava, havia a presença do terceiro.
Não podíamos dizer: algo me liga a você. Todo algo tinha que passar pelo terceiro.
O terceiro não era o descanso, o repouso em comum após o dia no trabalho separados. O terceiro era o pedágio. A alfândega.
E tudo que fazíamos desembocava sempre no terceiro. Como num buraco negro. O terceiro tinha mais densidade e orbitávamos em torno dele, numa espiral concêntrica.
E chegamos à conclusão de que não encontraríamos jamais uma equação que resolvesse a contínua instabilidade daquela nossa relação a três.
Mas não sei o que aconteceu, foi aí talvez que veio um lampejo, uma luz. Talvez estivéssemos simplesmente procurando algo impossível. Ou mesmo, indesejado.
E quando descobrimos que não havia mesmo solução, foi só então que alcançamos a harmonia. Pois a harmonia não significa equilíbrio. Harmonia significa surpresa.



(Conto vencedor lido em 16/04/2019)

Guilherme Preger é carioca, engenheiro e escritor que acredita na Santíssima Trindade da Dialética


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